Por Almeida Lima*
Era 16 de março de 1986. Manhã de domingo na Praça Fausto Cardoso. Em frente ao palácio onde funcionava a Assembleia Legislativa, a calmaria foi substituída pela agitação das pessoas a empunhar bandeiras, estandartes e faixas anunciando um grande fato político. E foi. No plenário do legislativo estadual ocorria a convenção do MDB que definiria o nome de José Carlos Mesquita Teixeira como candidato a governador do estado, numa aliança com o ex-governador Augusto do Prado Franco do PDS, partido que no ano anterior (1985) havia indicado Paulo Maluf, representante da famigerada ditadura militar, como o seu candidato a presidente da república contra Tancredo Neves.
Naquele plenário eu fui coadjuvante da história. Lá eu me encontrava a desempenhar o papel de militante do MDB, delegado à convenção e pré-candidato a deputado estadual. Confesso o susto que tomei quando, de repente, ao adentrar ao plenário vi todos os seus espaços e a galeria superlotados. Mas não era a militância do MDB. O local parecia mais uma convenção do PDS, tão grande o número de malufistas presentes, representados pelos membros das famílias de melhores cepas em nosso estado: Franco, Sobral (Itaporanga), Gois (Riachão), Garcia, Queiroz (Gen. Djenal) …, Enfim, tudo já estava armado, não para o debate democrático, mas para a simples homologação da aliança do MDB com o que havia de mais reacionário na política de Sergipe.
Atrevido, fiz-me de rogado e fui à tribuna para defender a candidatura de José Carlos Teixeira para governador, mas com a de Benedito de Figueiredo para vice. Discurso coisa nenhuma! Os gordinhos, como carinhosamente eram chamados Tarcísio e Luiz Teixeira, irmãos de Zé Carlos, comandaram uma vaia estrondosa, não possibilitando a minha fala. Tudo já estava consumado. Os estrategistas já tinham dominado a cena. Só restou a Jackson Barreto e a seus companheiros retirarem-se da assembleia. Eles não queriam o apoio de Jackson com Benedito de vive. A vice era para o PDS. Pronto! Ali se deu o rompimento. Ali nascia a derrota de Zé Carlos.
Vivíamos o início da redemocratização do Brasil. As chagas da ditadura militar estavam vivas na memória de toda sociedade. Como haveríamos de marchar numa campanha eleitoral em aliança com os malufistas comandados em Sergipe pelo então presidente nacional do PDS? Esse mesmo partido que sucedeu a ARENA e pelo qual o doutor Augusto Franco havia sido indicado governador pelo presidente Ernesto Geisel, de triste memória?
Nesse encontro Jackson Barreto foi tratado com desdém, tão grande a arrogância dos gordinhos que ditavam as ordens. Afinal, José Carlos Teixeira despontava imbatível nas pesquisas para governador do estado com mais de 70% de intenções de voto. Ele havia acabado de fazer uma grande administração na Prefeitura de Aracaju. Dizia-se até que tinham sido sete anos em sete meses, tão profícua que foi a sua gestão. Ora, já que ostentava essa posição, por que levaram Zé Carlos a preferir a opção do retrocesso, já que o prefeito Jackson Barreto lhe oferecia apoio com Benedito de Figueiredo na vice? Erro incompreensível, e a derrota foi o alto preço pago pela soberba e pela prepotência.
Respeitar a história dos companheiros perseguidos, presos e torturados, mantendo a luta por liberdades democráticas, a ética e a coerência políticas, ou trair tudo isso e votar pela manutenção da matriz da ditadura militar em Sergipe? O meu olhar enxerga traição sim. Traição a todos que resistiam à ditadura militar, e traição ao próprio José Carlos Teixeira que, honrosamente, esteve presente liderando essa luta. Traição daqueles que levaram o Zé Carlos a aceitar essa famigerada aliança. Mas a opção foi dele e não de Jackson Barreto.
Entretanto, o erro de 1986 foi a repetição de um outro na vida dos Teixeira. O querido Oviedo Teixeira candidatou-se a Senador da República em 1970. Seus concorrentes foram Lourival Baptista e Augusto Franco, ambos da ARENA, e ele do MDB. Como agora, naquela eleição podia-se votar em dois candidatos. Lourival Baptista tinha saído do governo com grande popularidade. Fatalmente as urnas levariam Lourival e Oviedo à vitória. Mas eis que surgem os mesmos estrategistas e fizeram acordo com o mesmo Augusto Franco. Resultado: Oviedo Teixeira perdeu a eleição. E aí, quem foi o traidor ou o culpado pela derrota do bom “Sujeito”, sabendo-se que Jackson Barreto não estava naquele cenário político-eleitoral? Quatro anos depois, em 1974, sem qualquer aliança ou acordo espúrio por baixo dos panos, sem estrategistas, sem arrogância, Gilvan Rocha, MDB, elege-se Senador da República derrotando Leandro Maciel, da ARENA, e representante da ditadura militar.
A história é a memória de um povo, por isso deve ser respeitada.
*Almeida Lima é advogado e ex-senador da República