Uma das atitudes mais ilógicas é, em nome do bairrismo, tentar persuadir uma pessoa a torcer pelo sucesso do time adversário, quando está em jogo a geografia. Imagine, por exemplo, o Flamengo disputando a Taça Libertadores da América, e atraindo as torcidas do Vasco, Fluminense e Botafogo, pelo fato de todos os quatros clubes serem brasileiros e, sobretudo, do Rio? Há lógica nisso? E a rivalidade?
A coisa começou com aquele bordão da Globo: “O Flamengo é o Brasil na Libertadores”. Evidente que vindo da Globo já merece a desconfiança de todos pela história da emissora. Todavia torcedor que é torcedor, o chamado “doente” pelo seu clube, jamais torce pelo adversário. Nunca.
Quando isso acontece, não é torcedor “doente”. Está mais para simpatizante. Imagine um palmeirense vibrando com um gol do Corinthians e sendo zoado mais tarde pelos números favoráveis ao rival? Entre vários argumentos lógicos, acredito que o fato de todo torcedor, em via de regra, ser também um gozador do rival é de longe o que mais espanta o errado raciocínio.
Pegue-se como base o exemplo que abre este texto. Suponhamos que o Flamengo vença a competição. Já imaginou a gozação que vascaínos, tricolores e botafoguenses teriam que suportar da torcida rubro-negra? Qual seria, então, a lógica de alimentar o sonho inimigo?
Isso pode ainda funcionar em estados cujo futebol é medíocre, como em Sergipe, onde a falta de organização da Federação Sergipana de Futebol e, sobretudo, de talento dentro de campo, jogam o torcedor sergipano para clubes de fora – sobretudo do Rio e São Paulo, esfriando a rivalidade local. Como nem sempre há um clube sergipano na vitrine nacional, um Confiança, como naquela história do “vamos subir dragão”, acaba misturando as coisas. Mas, no fundo, será que o torcedor do Sergipe gostaria mesmo de o Confiança ter subido e galgado, posteriormente, a série A, enquanto o Sergipe pena na série D, porque não existe a E? Torceria, agora, os proletários para que o Sergipe subisse os degraus e atingisse a elite do futebol, nos próximo anos, deixando o Confiança na sarjeta? Imagine a “onda” que a torcida do Sergipe tiraria com a do Confiança?
Com todo respeito, quem não entende isso, está mais para simpatizante que torcedor. Quem torce para todo mundo acaba não torcendo para ninguém. Aliás, como nunca perde, não tem o mesmo gosto nas vitórias. O fato é que depois dos jogadores e da bola quem mantém o futebol vivo, sendo essa paixão nacional, é o torcedor movido pela rivalidade. Se não existisse isso, o futebol não seria o mesmo. Literalmente, nem aqui nem na China.
P.S. Ontem ao final do jogo Flamengo x Botafogo, a torcida do Flamengo cantou soberana: “E ninguém cala esse chororo… Chora o presidente, chora o time inteiro,chora o torcedor…” Detalhe: a letra é da torcida rubro-negra na música da torcida do Botafogo. Rivalidade faz isso. É possível imaginar o botafoguense de verdade torcendo pelo Flamengo algum dia? Nem me atrevo perguntar o contrário.