“Ou tentar influenciar juízes a condená-lo”, diz presidente do SINDIJOR/SE
Por Joedson Telles
O presidente do Sindicato dos Jornalistas de Sergipe (SINDIJOR/SE), Paulo Sousa, critica, nesta entrevista que concedeu ao Universo, no último sábado, dia 24, a forma como alguns veículos de comunicação estão cobrindo o julgamento do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo Paulo Sousa, existe um interesse imenso pelo sensacionalismo. “Percebe-se que nas coberturas há uma clara tendência de alguns veículos já o condenar ou, no mínimo, tentar influenciar os juízes a condená-lo. Esse não é o papel dos veículos de comunicação, principalmente rádio e televisão que são concessões públicas, muito menos dos jornalistas. Isso foge totalmente do Código de Ética Jornalístico, pois o julgamento compete exclusivamente ao juiz”, observa Paulo Sousa. “Se o Lula ou qualquer outra pessoa cometeu crime, que se investigue e, sendo comprovado, que se puna segundo as leis e a Constituição Federal. Lei máxima esta que diz que ‘ninguém é considerado culpado antes do trânsito em julgado’. Se a Carta Magna diz isso, quem sou eu pra dizer o contrário?”, indaga o presidente. A entrevista:
Na semana passada, o jornalista Carlos Batalha fez um comentário polêmico, na TV Atalaia, sobre a saudosa vereadora carioca, Marielle Franco (PSOL), cujo assassinato ainda hoje comove o lado bom do Brasil. Batalha colocou a hora da falecida em xeque e foi obrigado a se retratar, após descobrir que se baseou em informações falsas colhidas nas redes sociais. Como o SINDIJOR está lidando com esta “moda” nociva conhecida como “Fake News”?
Primeiro, lamentamos que as redes sociais, que surgiram com a finalidade de aproximar pessoas, estejam distanciando cada vez mais por causa da conduta criminosa de boa parte dos que usam essa ferramenta de comunicação. Elas hoje são, em parte, verdadeiras armas de propagação do ódio, da intolerância e da violência. Vem provocando uma apartheid, o que é profundamente lamentável. E as notícias falsas propagadas também por essas pessoas surgem como forma de tentar dar credibilidade ao que é falso. Tanto é que geralmente fazem cópias de portais jornalísticos para tentar iludir o leitor que aquela notícia tem procedência. Isso muito nos preocupa porque a notícia tem que ser produzida por quem estudou e se capacitou pra isso, que é o jornalista. Como a Internet ainda não tem uma lei específica nesta área, a sociedade tem que ficar muito atenta ao ler algo na Internet. A nossa recomendação é que antes de sair por aí compartilhando uma notícia com viés falso, que o leitor faça uma pesquisa, veja se aquela notícia também está publicada em um site jornalístico profissional, como o Universo Político, por exemplo. Agindo assim, daremos um basta nessa propagação do mal. Acho que está mais do que na hora de uma lei ampla regulamentando a Internet. Chegou a um ponto que não há mais como lidar com ela de forma livre, solta sem nenhuma norma legal. Aliás, o próprio inventor da Internet, o físico britânico Tim Berners-Lee, defende que as grandes plataformas online e as mídias sociais sejam reguladas para evitar que a web seja “transformada em arma”.
As redes sociais estão, digamos, “contaminando” os veículos de comunicação, já que checar uma informação antes de divulgá-la é um dos princípios básicos do jornalismo, mas nem sempre é respeitado. No caso em tela, por exemplo, não foi levado em conta mesmo o jornalista sendo experiente…
Na verdade, boa parte dos veículos de comunicação, inclusive setores da grande mídia, já não faz mais jornalismo como no passado: o jornalismo investigativo. Preferem acreditar 100% nas investigações realizadas pelos órgãos de fiscalização como se eles fossem os donos da verdade. O certo seria apurar aquilo que foi investigado por esses órgãos para saber a verdade do ponto de vista do jornalista e não do investigador público ou particular. Vale ressaltar que o olhar clínico de um investigador pode não ser o mesmo olhar clínico de um jornalista investigativo. E o mais grave: dar credibilidade às redes sociais. Isso é um tiro no pé, na certa. É o que aconteceu com o jornalista Carlos Batalha. Alguns jornalistas, e não são poucos, infelizmente perderam a essência da profissão: apuração da notícia. Isso é ruim para o jornalismo, que compromete sua credibilidade, e para a sociedade, que também pode ser vítima de tudo isso. Os Artigos 2º e 4º do Código de Ética do Jornalismo, diz claramente que o compromisso dos veículos de imprensa e do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, e que jornalista e empresa de comunicação devem pautar seu trabalho na precisa apuração dos acontecimentos e na sua correta divulgação. Quem fugir desta regra, certamente é um forte candidato ao fracasso e a desmoralização profissional. Portanto, a apuração da notícia é indispensável na produção jornalística.
Carlos Batalha procurou o SINDIJOR para explicar a infelicidade. O que ele disse? Admitiu que faz jornalismo sem checar as informações ou foi um caso isolado?
Nós lamentamos que um jornalista experiente como ele tenha sido induzido ao erro, mas também não podemos crucificá-lo. Porém, uma coisa é veicular uma notícia falsa, a outra é você expor sua opinião em cima daquela notícia. A postura dele foi lamentável. Ele realmente compareceu ao SINDIJOR para explicar toda esta polêmica e admitiu que errou ao veicular uma notícia falsa sem antes apurar sua veracidade. Inclusive já havia comparecido ao PSOL para se desculpar junto à Direção do partido. O gesto de ele reconhecer que errou e pedir desculpas deve ser levado em consideração, em minha opinião. Afinal de contas, quem não já cometeu pecado que atire a primeira pedra. Mas, independentemente de qualquer coisa, a memória, a família e o legado da vereadora merecem o máximo de respeito. Não por se tratar de uma parlamentar conhecida e que gerou esta comoção nacional e internacional, mas por se tratar de um ser humano e, acima de tudo, mulher.
Percebe-se em qualquer grupo de whatsapp que existe a prática de se postar 100% do conteúdo dos textos. Nem sempre se posta um link para algum veículo de comunicação. Inclusive, até alguns jornalistas usam do artifício. Há assessor de imprensa, por exemplo, que posta todo o conteúdo nas redes sociais e enviam a notícia “velha” para os veículos de comunicação, posteriormente. Isso não seria uma forma nada inteligente de colaborar com o enfraquecimento dos veículos, e, consequentemente, diminuir o espaço dos próprios jornalistas?
Sim. Concordo plenamente. Você está tornando as redes sociais mais importantes que os jornalistas e seus respectivos veículos de comunicação. Quem deve sempre estar no primeiro plano é o veículo de comunicação e não uma rede social, que nada mais é que uma ferramenta das pessoas se comunicarem. O correto é que os jornalistas que estão em assessorias de imprensa e comunicação divulguem nesses grupos de whatsapp, bem como nas redes sociais, apenas o título e o link da notícia. Se aquela notícia despertar o interesse de alguém, que essa pessoa acesse o site de notícia para conferir. Isso valoriza o papel do jornalista, fortalece o jornalismo e dá credibilidade à notícia. Rede social tem que ser encarada como ela realmente é: ferramenta de comunicação. Nunca como veículo de imprensa. Até porque qualquer um pode escrever em redes sociais e whatsapp, diferentemente de veículos de imprensa em que apenas o jornalista é o profissional habilitado a exercer a escrita bem como as demais funções e atividades jornalísticas.
O que o SINDIJOR pode fazer para evitar que as redes sociais prejudiquem os veículos?
Essa é uma medida que não depende apenas do SINDIJOR, mas de todos os jornalistas e da própria sociedade, principal vítima das notícias falsas divulgadas pelas redes sociais. O que temos aconselhado à categoria é que saiba diferenciar redes sociais de imprensa. Como disse anteriormente, rede social é uma ferramenta de se comunicar, assim como um telefone, a mesma coisa o whatsapp. Já o portal de notícia, por exemplo, é um veículo de comunicação profissional, lógico, desde quando seja exercido por jornalista graduado na área. O que o jornalista deve fazer é aproveitar a dimensão dessas redes sociais para alcançar o maior número de pessoas para acompanhar o seu trabalho profissional, mas nunca igualar esta rede a uma empresa de comunicação. Fazendo essa leitura a população certamente saberá também diferenciar e continuar dando credibilidade a quem de fato merece: o jornalista. Aliás, em época de fakenews, principalmente nas redes sociais, o trabalho do jornalista no resgate da verdade é essencial. Nunca a democracia precisou tanto do bom Jornalismo.
Como o SINDIJOR avalia a forma como a imprensa vem cobrindo o julgamento do ex-presidente Lula, sobretudo a chamada “grande imprensa”?
A forma como deve ser feita essa cobertura é de prerrogativa da direção de jornalismo da empresa de comunicação, mas essa cobertura não pode fugir dos princípios éticos e morais. Ela deve estar separada de conceitos políticos e ideológicos, comprometida apenas com a verdade. Mas, no caso específico do ex-presidente Lula, se percebe um interesse imenso pelo sensacionalismo. O que justifica a transmissão de um julgamento de um ex-presidente se ele é um cidadão comum como qualquer outro? Lógico que isso tem um viés político em desgastá-lo. Isso é fato inegável. Também se percebe que nas coberturas há uma clara tendência de alguns veículos já o condenar ou, no mínimo, tentar influenciar os juízes a condená-lo. Esse não é o papel dos veículos de comunicação, principalmente rádio e televisão que são concessões públicas, muito menos dos jornalistas. Você transmitir a notícia é uma coisa, mas você mencionar juízo de valor, como já vimos, não só no caso do Lula, mas também de outros políticos, inclusive do PMDB e PSDB, é algo condenável. Isso foge totalmente do Código de Ética Jornalístico, pois o julgamento compete exclusivamente ao juiz. Ao jornalista, no máximo, a investigação e divulgação dos fatos de relevante interesse público. Quem não se lembra do caso da Escola Base, em São Paulo, onde jornalistas e empresas de comunicação foram punidos por terem acusado e condenado pessoas que nas instâncias superiores se comprovou sua inocência. Se o Lula ou qualquer outra pessoa cometeu crime, que se investigue e, sendo comprovado, que se puna segundo as leis e a Constituição Federal. Lei máxima esta que diz que “ninguém é considerado culpado antes do trânsito em julgado”. Se a Carta Magna diz isso, quem sou eu pra dizer o contrário? Eis a questão.
O SINDIJOR/SE é filiado à Central Única dos Trabalhadores de Sergipe (CUT/SE), que, por sua vez, enxerga o ex-presidente Lula como um inocente, vítima de um golpe, e que, portanto, foi condenado injustamente e não pode ser preso. Ao contrário, a CUT defende a sua pré-candidatura à Presidência da República. Como o SINDIJOR lida com isso, já que, apesar de ser filiado à CUT, representa os jornalistas e nem todos pensam como a CUT?
Sim, somos filiados a CUT que é a maior central de trabalhadores do país, mas, como vivemos numa democracia, temos o direito de discordar, pensar um pouco diferente. Nem tudo que a CUT defende o SINDIJOR concorda. Um exemplo: a CUT é a favor do fim da unicidade sindical, nós somos totalmente contra. Todo cidadão tem direito a exercer a liberdade de expressão, e o que faz a CUT nada mais é que isso. Se a CUT defende o presidente Lula, certamente tem lá suas razões pra isso, eu e os demais jornalistas podemos até não concordar, mas temos a obrigação de respeitar a posição de uma entidade que é autônoma e independente. E outra coisa: há muita demagogia também de alguns setores da sociedade. Muitos dos que criticam a CUT lideram movimentos sociais contra o ex-presidente por não serem simpáticos a suas ideias, e isso deve ser respeitado, mas em contrapartida defendem opositores que também respondem processos na Justiça, muitos também já condenados. Isso é ou não é demagogia, hipocrisia? Jogo de interesses políticos? Não esqueçamos que o ser humano é um ser político por natureza.
Existe uma denúncia contra a TV Sergipe no sentido de sua direção ter determinado que os aparelhos de ar condicionados sejam desligados, mesmo em horário de trabalho. Isso, evidente, estaria prejudicando os jornalistas da emissora. Procede? O que o SINDIJOR tem feito?
Sim. Essa empresa tem sido desrespeitosa para com os jornalistas que lá trabalham. É um assunto que já vínhamos discutindo desde a época em que Albano Franco era o presidente. Estávamos avançando nas negociações, mas depois que a parte de Albano foi vendida para a outra sócia da empresa as coisas começaram a ir para um caminho muito complexo. Após fiscalização da Comissão de Registro Fiscalização Profissional, as denúncias foram comprovadas. Notificamos a empresa e demos um prazo dentro do que estabelece a Convenção Coletiva de Trabalho dos Jornalistas-Jornalismo (CCTJ) para que corrigisse a irregularidade. Mas para a nossa surpresa após várias reuniões nada foi solucionado. Daí, solicitamos uma fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego na TV Sergipe. Pela primeira vez a empresa foi autuada pelos técnicos do Ministério do Trabalho por assédio moral e condições insalubres à categoria. Numa nova reunião, a empresa sugeriu que os aparelhos de ar condicionado fossem ligados com intervalos, como forma de economizar. Após ouvir os jornalistas, o SINDIJOR acatou a medida como forma de teste, ou seja, se atendia a empresa e contemplava os jornalistas que trabalham na redação, nos estúdios e nas ilhas de edição. Ficou comprovado que medida foi insuficiente já que o calor em boa parte do dia persiste. Sendo assim, notificamos a empresa para que a mesma mantenha os aparelhos ligados durante todo o horário de trabalho dos jornalistas. Vencido o prazo, já que tudo tem que ser feito dentro da lei, e a empresa não acatando nossa orientação, acionaremos a Justiça. E se for o caso, organizaremos um ato público para fechar a emissora a fim de que os jornalistas sejam respeitados de uma vez por todas e possam trabalhar em um ambiente que ofereça o mínimo de conforto. Também a denunciaremos a TV Globo, que certamente não vai gostar nada disso. Espero que não seja preciso, que prevaleça o diálogo, que tem sido a marca da nossa gestão.
O jornalismo político de Sergipe tem cumprido o seu papel social?
Até certo ponto, sim. Digo isso por que muitos dos que fazem o jornalismo político, muitas vezes por terem ligações partidárias, acabam distorcendo essa função social. Preocupam-se mais com bate boca político do que com a discussão das ideais. A política é essencial em nossas vidas, é ela quem conduz o nosso futuro. Por isso, precisamos de um jornalismo político que tenha mais compromisso com o debate dos problemas que afetam a nossa sociedade, como saúde, educação e segurança. Faz sentido se dar importância a um bate boca político enquanto pessoas estão morrendo nos hospitais por falta de infraestrutura, medicamentos e profissionais valorizados? Escolas caindo no interior por falta de investimentos e professores mal remunerados? A violência nos tornando reféns dos bandidos por falta de uma política de segurança correta? É importante que o jornalismo político se atente a tudo isso. Ele tem um papel transformador na sociedade muito importante. E os que já fazem muito bem este papel, como o Universo Político, devem continuar estimulando o debate. Já os que preferem o bate boca, precisam repensar seu papel social para sua própria sobrevivência.
O senhor foi sondado para se filiar a um partido político e ser candidato, mas não aceitou. A recusa deve-se a uma opção pessoal exclusivamente ou, além disso, entende que dirigente sindical não deve ter outro partido a não ser a categoria que representa?
Fui, sim, convidado por alguns partidos, mas preferi agradecer os convites que muito me honram. Recebi convites de partidos tanto de esquerda como de direita, mas preferi continuar apenas na atuação jornalística. Se algum dia eu decidir entrar na política partidária antes terei que conversar com minha família, meus amigos e a nossa categoria. Não seria uma decisão isolada, mas conjunta, coletiva. A disputa política é um direito de qualquer cidadão, independentemente de ser ou não sindicalista. Neste momento, a escolha que fiz é a de continuar exercendo minha profissão, que tanto me orgulha, e concluir meu mandato a frente do SINDIJOR. Mas reconheço que o Brasil nunca precisou tanto de renovação política como agora. Espero que os nomes novos que surgirem tenham compromisso com a classe trabalhadora deste país. Também não podemos generalizar a classe política. O Brasil precisa de renovação sim, mas reconhecemos que ainda há muitos políticos sérios, que representam bem a sociedade e que merecem continuar nos representando. É saber separar o joio do trigo. Felizmente, nem tudo está perdido.
Há um lugar comum que reza que “o povo não sabe votar”. O eleitor não sabe votar mesmo ou não há muita divergência entre os candidatos?
Diferença de propostas há muitas. O problema crucial, acredito, está na ganância do poder. O candidato se apresenta de um jeito, conquista o eleitorado, e depois que assumi se rende ao sistema e se comporta totalmente diferente daquilo que havia prometido ao eleitor. Mas também o eleitor tem sua parcela de culpa ao votar em pessoas que não têm um passado limpo. Eleitor que vota nesse tipo de gente não pode reclamar depois. Acho que tudo isso passa necessariamente por uma reforma política. Ao lado da impunidade, o sistema político brasileiro é causa de boa parte da corrupção que ainda temos. Com isso, concluímos que o Brasil precisa de novos atores que não tenham compromisso com a velha ordem.