“Enquanto a corrente política que dirige o Sintese estiver ligada ao governo, as lutas serão limitadas” diz Vera Lúcia
Por Joedson Telles
Militante histórica da esquerda socialista sergipana, a professora Vera Lúcia sempre surge como um dos principais quadros do PSTU para encabeçar uma chapa majoritária. No ano que vem, quando haverá a disputa pelo governo do Estado, não será diferente. Distante do eleitor desde que disputou a Prefeitura de Aracaju, em 2012, Vera Lúcia foi entrevistada pelo Blog do Joedson Telles, no último final de semana e comentou alguns dos principais fatos políticos do momento – inclusive a possibilidade de uma aliança entre o PT e a Frente de Esquerda (PSTU, PSOL e PCB). “O PT fez um trajeto sem volta. Não tem mais nada do partido que dirigiu as principais greves dos trabalhadores do nosso país na década de 1980. Não é mais um dos nossos aliados”, excluiu.
No ano que vem, o eleitor volta às urnas. O que deve ter em mente antes de depositar seu voto?
Vera Lúcia – A primeira tarefa do eleitor é avaliar programa do candidato. Avaliar se apresenta soluções para os problemas vividos pela maioria da população, ou seja, os trabalhadores, principalmente os mais pobres. As soluções apresentadas devem ser concretas, não podem ser medidas apenas paliativas. Devem ser soluções que resolvam as causas dos problemas enfrentados pela população sergipana: infraestrutura, educação, moradia, saúde, transporte, para citar alguns dos pontos mais críticos hoje. Outra coisa que o eleitor deve observar são as alianças e o financiamento das campanhas. É fato que partidos da direita são financiados pelos empresários e governam para estes depois de eleitos. Veja o exemplo do prefeito de Aracaju, João Alves Filho (DEM), teve sua campanha financiada por grandes empresários e qual a principal medida do prefeito até o momento? Aumentou o preço da passagem de ônibus, favorecendo os empresários e penalizando quem usa o transporte público. Ou seja, o povo… Em 2014, haverá uma falsa polarização, entre grandes coligações, regadas a todo tipo de acordo com todo tipo de partido, fazendo inúmeras promessas fantasiosas, com programas eleitorais cheios de efeitos cinematográficos. As promessas são mirabolantes, mostrando um mundo dos sonhos, porém depois das eleições a vida do povo em nada muda, a sua realidade continua difícil e, não raro, cruel… Outra coisa que eleitor deve ficar atento é ao jogo das trocas de cadeiras, pois não adianta mudar o governante se as coisas irão continuar da mesma forma. É preciso mudar a forma de governar, construir um governo com a participação dos trabalhadores, governando de fato para a maioria. É esse embate que o PSTU vai travar nas próximas eleições para governador. É um embate duro e difícil, pois as eleições não são democráticas como os governantes gostam de agitar, a falsa “festa da democracia”. Nosso tempo de TV e rádio é pequeno, às vezes somos excluídos dos debates televisivos, impedindo que a população conheça nossas propostas. Nossos recursos financeiros são menores, pois não entramos no jogo do financiamento atual que transforma as eleições em um balcão de negócios. Porém, mesmo assim, com todas essas dificuldades, o PSTU estará na disputa, pois é nosso dever político se apresentar como alternativa aos trabalhadores e a juventude, na perspectiva da construção de um governo da maioria, um governo dos trabalhadores.
O PSTU estará coligado com o PSOL e o PCB?
Vera Lúcia – O PSTU defende a formação da Frente de Esquerda com o PSOL e PCB como ocorreu nas eleições municipais. Avaliamos que foi correto unir a esquerda socialista em torno de um programa que refletia os anseios dos trabalhadores e da juventude e apontava respostas aos principais problemas enfrentados no dia a dia. Realizamos uma grande campanha com apoio da militância dos três partidos. Uma campanha financiada pelos trabalhadores e sustentada pela força militante, sem cabos eleitorais pagos. É nesse marco que o PSTU chama o PSOL e o PCB a formarem conosco uma frente eleitoral em 2014. Uma frente sem aliança com setores conservadores da burguesia e sem financiamento de campanha pelas empresas. Achamos que esse tipo de prática – aliança com setores da burguesia e financiamento de empresas – foi trajetória feita pelo PT e levou esse partido ao desastre. Por isso, achamos um erro grave cometido pelo PSOL ter recebido dinheiro de empresas nas últimas eleições em Belém e Macapá… Assim, o PSTU avalia aliança e financiamento no marco da classe trabalhadora como dois critérios fundamentais para a formação de uma frente eleitoral com o PSOL e PCB. Será seguindo esse critério que vamos batalhar para a formação da Frente de Esquerda contra a falsa polarização do bloco governista (PT/PMDB) e a velha direita (DEM/PSDB/PSC).
Existe a possibilidade de o PMDB fazer uma aliança com o DEM, e o PT, neste caso, por não aceitar, pode buscar um entendimento com o PSTU. Como a senhora avalia isso. Seria uma boa aliança?
Vera Lúcia – Impossível qualquer aliança eleitoral com o PT. Este partido governa Sergipe há seis anos e seguiu governando para os empresários e latifundiários. O PT governa o Brasil há 10 anos e aplica a mesma cartilha neoliberal do PSDB, privatizando as empresas estatais e aplicando reformas que retiram direitos dos trabalhadores. O PT fez um trajeto sem volta. Não tem mais nada do partido que dirigiu as principais greves dos trabalhadores do nosso país na década de 1980. Não fala mais em nome dos explorados e dos oprimidos. Hoje governa o Brasil ao lado de Sarney, Malluf e Renan Calheiros. Recebe dinheiro de banqueiros, empreiteiros, latifundiários. Ao chegar ao governo se envolveu em esquemas de corrupção. Igualou-se aos demais partidos da burguesia. Logo, não é mais um dos nossos aliados. Nas eleições 2014 vamos batalhar pela construção da Frente de Esquerda. Nosso campo de aliança é com o PSOL e PCB.
Como a senhora avalia o governo do PT em Sergipe?
Vera Lúcia – A população sergipana depositou suas esperanças no PT. Marcelo Déda foi eleito governador porque a população deu um basta ao coronelismo, à velha oligarquia que sempre governou nosso Estado. O problema que esses sonhos, essa esperança transformou-se em desilusão. O PT resolveu governar com aqueles que sempre estiveram no poder, aliou-se aqueles que os trabalhadores sempre se enfrentaram, fez oposto do que se esperava. Não atendeu nenhuma pauta de reivindicação dos trabalhadores. Ao contrário, criminaliza os movimentos sociais, decreta as greves ilegais, persegue sindicalistas e ativistas dos movimentos sociais do campo e da cidade. Com o governo do PT, a reforma agrária em Sergipe não saiu do papel. O governador Marcelo Déda assentou apenas 239 famílias ano passado. Atualmente, 1.400 famílias em pré-assentamentos estão sem casas. No sertão, no município de Nossa Senhora da Glória, 54% das famílias assentadas não têm acesso à rede de energia e 74% não tem abastecimento de água através da rede pública, de acordo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Enquanto isso, as terras produtivas seguem concentrada nas mãos de um pequeno número de famílias tradicionais. O povo padece com o caos na saúde. Filas no atendimento, falta de médicos e remédios, leitos pelos corredores, pessoas morrem por falta de atendimento. Os servidores públicos padecem com o arrocho salarial, sem planos de carreira e com péssimas condições de trabalho. Na educação não cumpre a Lei Nacional do Piso e até os diretores das escolas seguem sendo indicados como nos tempos dos coronéis. O PT, simplesmente, frustrou as esperanças depositadas pelos trabalhadores. Porém, a forma de dá o truco não é elegendo a velha direita, como ocorreu em Aracaju. É preciso construir uma verdadeira alternativa, daí o empenho do PSTU em construir a Frente de Esquerda com princípios sólidos, tirando exemplos do que fez o PT e mostrando que o caminho que temos que trilhar é outro.
Qual foi o maior erro do PT?
Vera Lúcia – O maior erro do PT foi abandonar seu programa e sua história em nome de uma governabilidade que não foi a favor dos trabalhadores. A frase bastante utilizada pelo PT de que estava construindo um governo para todos não é verdade. Não se governa para todos e isso ficou mais claro ainda no governo do PT. Os que antes eram beneficiados pelos governos da velha direita seguiram se beneficiando no governo do PT. Em nome da governabilidade o PT ampliou cada vez mais seu campo de aliados. Juntaram-se a grupos políticos reacionários como os Amorins e o PSC. E a cada acordo construído com esses grupos, foi se afastando dos trabalhadores, suas organizações e os movimentos sociais.
Como professora, como avalia a polêmica entre o vereador Agamenon x o Sintese?
Vera Lúcia – As palavras do vereador Agamenon (PP) são verdadeiras ofensas aos trabalhadores da educação. Da mesma forma que ao ofender o jornalista Ivan Valença atacou o conjunto dos trabalhadores da imprensa. A greve dos professores é justa e o culpado da greve ocorrer são os governantes que não cumprem com a lei. Ninguém faz greve por prazer, a greve é o último recurso que os trabalhadores adotam devido à intransigência dos governantes em não negociar, em não cumprir a lei. Para o vereador Agamenon é muito simples subir à tribuna e disparar um conjunto de palavras contra os trabalhadores da educação. Afinal, ele recebe um ótimo salário, tem à sua disposição um conjunto de regalias. Desafiaria o parlamentar a viver como um trabalhador da educação, desdobrando-se para ministrar aula em mais de uma escola, em todos os turnos e, no final do mês, receber menos do que manda a lei. Em uma semana, Agamenon pediria para voltar ao conforto da Câmara Municipal. O vereador tem que medir suas palavras. A tribuna não lhe dá o título de super herói. Heróis são os educadores. Nós do PSTU somos solidários aos trabalhadores da educação, apoiamos as suas lutas e suas greves. Defendemos a educação pública, gratuita e de qualidade, assim como a valorização dos profissionais educadores, por isso exigimos do governo o cumprimento da Lei Nacional do Piso.
Há uma crítica ao Sintese no sentido de que existe a luta por melhores salários, mas não pela melhoria da Educação. A senhora acha justa essa crítica?
Vera Lúcia – A luta salarial não deixa de ser uma luta em defesa da educação. Reivindicar melhores salários e decentes condições de trabalho aos profissionais que lidam todos os dias educando milhares de crianças e jovens é defender uma educação de qualidade. Criticar a greve e o Sindicato é muito mais fácil do que encarar o problema de frente. Quando é para atender as reivindicações dos trabalhadores não há dinheiro e nem se debate como ir buscar esse dinheiro para respeitar uma lei, pois o pagamento do piso nacional é lei e precisa ser cumprida. Mas quando os interesses dos empresários estão em jogo tudo se debate e vira até novela política como foi o caso do Proinveste. O problema do Sintese não são as lutas que trava por melhores salários, e sim o limite que tem a direção política desta entidade. Enquanto a corrente política que dirige o Sintese estiver ligada ao governo, as lutas dos trabalhadores da educação serão limitadas. É necessário a deputa Ana Lúcia e sua corrente política Articulação de Esquerda romper com o PT. Nós já fizemos esse convite público à deputada e voltamos a repeti-lo, o PT não é o mais o abrigo dos lutadores. Ou está com os trabalhadores ou está com o governo, esse dilema a deputada Ana Lúcia e a sua corrente terão que superar. O PSTU está de portas abertas para recebê-los.
Qual o balanço que a senhora faria do governo Dilma Rousseff?
Vera Lúcia – A presidente Dilma tem um amplo apoio popular. Seguindo a lógica do ex-presidente Lula, sustenta-se nos programas sociais como forma de manter o apoio da população mais pobres e, por outro lado, segue com o planos das grandes obras beneficiando as empreiteiras. Mas nem tudo são flores, recentemente teve uma queda 8% na popularidade e foi vaiada durante a cerimônia de abertura da Copa das Confederações. A população começou a sentir as mudanças na economia, com a inflação e desaceleração do crescimento refletido no PIB do ano passado, 0,9%. O governo Dilma é o exemplo maior das mudanças adotadas pelo PT em nome da governabilidade. Diferente de Sergipe, onde essa frente ampla gerou crises e rupturas, em Brasília o PT consegue sustentá-la mesmo com algumas crises, como por exemplo, ter o homofóbico e racista Marcos Feliciano (PSC) como presidente da Comissão de Direitos Humanos. No governo de Dilma, seguimos sendo o país das desigualdades sociais. Apesar do Brasil ocupar o sétimo lugar entre as maiores economias do mundo, figura apenas no 85ª lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Se levarmos em conta a desigualdade raciais, o abismo social é ainda maior. O rendimento médio de um branco, em 2002, era de R$2.237,00, segundo estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Já entre os negros era de R$1.255,00. Ou seja, um trabalhador branco recebe, em média, 78% a mais que um negro. Os dados revelam que existem dois Brasis: o dos ricos e o dos pobres, e um terceiro ainda, dos trabalhadores pobres e negros. Como podemos ver, tanto no governo Lula como no governo Dilma a desigualdade segue e não há lindas propagandas que apague a realidade. Mesmo com o PT, no país da Copa, os trabalhadores, negros e pobres são jogados para escanteio.
Sergipe assiste a vários movimentos de protestos nas ruas. O trabalhador está mais consciente dos seus direitos ou outros fatores justificam tantas greves?
Vera Lúcia – As greves é uma resposta ao governo do PT. A paciência dos trabalhadores acabou. Já são seis anos enrolando, não atendendo às reivindicações. Os trabalhadores vêm percebendo que o PT não governa para eles, que este partido segue a lógica e o modo de governar dos demais partidos que antes estiveram no poder. O PT diz que dialoga com os trabalhadores, quem tem mesa permanente de negociação. Dialogar e negociar não significar atender a pauta reivindicatória. A mesa permanente de negociação tornou-se mesa de enrolação, muita conversa, muita desculpa e nenhum ação concreta. É isso, a paciência acabou e os trabalhadores resolveram ir a luta, afinal, foi isso que o PT ensinou durante anos, que só a luta muda a vida. A questão agora é que o PT é o governo e o governo é o patrão.
A senhora acredita que os sindicatos se enfraqueceram frente ao governo do PT?
Vera Lúcia – Os sindicatos não se enfraqueceram como instrumento de organização e luta dos trabalhadores. O que aconteceu foi que os sindicalistas, principalmente os ligados ao PT e PCdoB, foram de malas e bagagens para dentro do governo. Os dirigentes sindicais da CUT e da CTB foram assumir cargos comissionados, foram gerir o Estado. O PSTU foi contrário a esse movimento, defendemos a independência das entidades sindicais frente ao governo e aos patrões, por isso, junto com outros grupos políticos, rompemos com a CUT para construir a Central Sindical e Popular – Conlutas. Os que antes estavam na linha de frente das lutas e das greves, os porta vozes dos trabalhadores, tornaram-se porta vozes do governo, exemplo do deputado estadual Chiquinho Gualberto (PT). Como estes partidos – PT e PCdoB – seguiram controlando a maioria das entidades sindicais, o que vimos foi a diminuição das lutas. Porém, hoje eles já não conseguem controlar como antes. A base das categorias está rompendo com o governo e indo à luta independente das suas direções sindicais. É ao que estamos assistindo hoje em Sergipe e no Brasil. Em 2012, ocorreram 873 greves em todo o país, bem mais que as 530 de 2011. E nesse processo de luta o PSTU está inserido. Nas principais lutas ocorridas no Brasil atuamos fortemente através da CSP Conlutas. Nosso partido batalha para se tornar referência política dos trabalhadores diante a sua experiência com o governo do PT e fazemos essa batalha também no campo sindical.