Por Joedson Telles
Já que é moda comentar a “prisão” (apreensão?) de um cavalo, no município de Nossa Senhora Aparecida, no último final de semana, vamos lá. Meto a colher no mingau alheio, mais uma vez. Pra começar, peço ao internauta que, sem esquecer a cena do cavalo, literalmente, atrás das grades, sequer sabendo, evidentemente, o que “justificaria” tamanho castigo, traga à mente aquela aparição recente de Zé Dirceu, dele mesmo, o homem do ‘mensalão’ e outros escândalos, dançando e rindo à toa numa festa aparentemente das boas. E feche o quadro imaginando, agora, uma grande e bela bandeira do Brasil desfraldada. Fite as palavras do símbolo da pátria: “ordem e progresso”. Pronto. Temos um 3 x 4 deste país do futuro, segundo cunhou o poeta Renato Russo.
Zé Dirceu é um condenado. Um ladrão dito pelo próprio Judiciário. Um homem que enganou o Brasil com o discurso mole de trabalhador socialista para meter a mão no dinheiro público com vontade. Mas e daí? Quem disse que acabou, de fato, o tempo em que só iam parar na cadeia os três “pês”?
Estamos mudando, evidente. Mas ainda existes resquícios. E Zé Dirceu solto, dançando, curtindo a vida é uma prova irrefutável que, para uns, o crime compensa sim, senhor. É só ter bons companheiros, digo advogados… E como queria queimar a língua com o fogo do Judiciário mantendo presos todos os grandes fisgados pela Lava Jato…
Mas, voltando ao cavalo, o pobre não tem sorte de certos políticos, que mesmo condenados permanecem em liberdade. O animal acabou enquadrado no que sequer existe. Veja a explicação com muita propriedade do delegado Paulo Márcio, presidente da Adepol:
“… eventual ação de animal que resulte em destruição, inutilização ou deterioração de coisa alheia, não configura o “Crime de Dano”, previsto no artigo 163 do Código Penal, a menos que o animal seja dolosamente (intencionalmente) utilizado por alguém com essa finalidade, hipótese em que se faz necessária a instauração de procedimento investigativo para a devida apuração do fato. Assim, partindo da premissa de que o fato ocorrido é atípico, isto é, não é caracterizado como crime pela legislação penal brasileira, tem-se como desnecessária, desarrazoada e completamente equivocada a conduta dos policiais militares consistente em apreender o cavalo e mantê-lo confinado em uma cela reservada para a custódia de pessoas presas em razão do cometimento de algum ilícito penal”, explicou o delegado.
Se fosse provocado a explicar a necessidade de Zé Dirceu ter que mofar na cadeia, tendo evidente a companhia dos comparsas larápios, tenho plena convicção que o delegado Paulo Márcio, que já mostrou ser preparado na questão do cavalo, seria mais persuasivo ainda. O faria com mestria.
Mas ao que assistimos, nos últimos dias? Como termina a novela? Um cavalo inocente preso ao arrepio da lei e Zé Dirceu condenado como bandido, mas dançando numa festança, como se fosse um cidadão de bem. Um Zé Dirceu a zombar do brasileiro – inclusive do Judiciário que lhe assegurou o benefício.
Aí o internauta que tem boa memória lembra a abertura deste texto e indaga não sem motivo: “se as histórias são reais e nada agradáveis, se é mais vergonha para o país, pra que diabos, então, fitar as palavras “ordem e progresso” na bandeira? Onde estaria a ordem? O progresso? Zé Dirceu dançando e um cavalo preso em uma delegacia sob ordem da Polícia Militar é “ordem e progresso”?
Evidente que nem uma coisa e nem a outra. Não tem nada a ver. Não existe ordem tampouco progresso em aberrações. Todavia, ao provocar o internauta, tento não me sentir solitário na missão que nunca será cumprida de encontrar duas palavras que tenham mais coerência com o Brasil. Que definam este país com precisão. Já pensei centenas de vocábulos. “Amado e injusto” foram os que chegaram mais perto, mas nada que contemple. E, assim, deixo como está. Continuo à espera de uma “ordem” e de um “progresso” que parecem cada vez mais longínquos.