Por Paulo Márcio
Acuada pelas manifestações que espocaram no país nas últimas semanas, a presidente Dilma Rousseff (PT) ouviu seus principais ministros e conselheiros sobre a melhor forma de contornar a crise que bateu às portas do Palácio do Planalto e, ratificando a impressão de que não há vida inteligente no governo federal, não só jogou mais lenha na fogueira acesa pelos integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) como forneceu munição de grosso calibre à oposição a pouco menos de um ano de sua tentativa de reeleição, convencida que está de que o Brasil encontra-se suficientemente amadurecido para seguir os passos da Venezuela.
Sob a justificativa de criar um pacto com governadores e prefeitos em torno de cinco pontos, a presidente anunciou nesta segunda-feira, 24, que irá pedir a convocação de um plebiscito para a aprovação de uma Constituinte com o objetivo de realizar uma reforma política no país. Nada mais casuístico, autoritário, inconstitucional e golpista!
É despiciendo, ao menos por enquanto, adentrar o tema da reforma política, vale dizer, analisar as diretrizes que nortearão o texto apresentado pelo governo, como financiamento público de campanha, eleições proporcionais com lista fechada, dentre outros. Basta, no momento, concentrar o debate em torno da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma Constituinte convocada tão somente para elaborar uma reforma política.
A resposta não requer malabarismos ou contorcionismos jurídicos. À luz da Teoria Constitucional e da Constituição Federal de 1988, a reforma, nos moldes propostos pela presidente da República, está absolutamente vedada. Não se trata do conteúdo, mas da forma como se pretende realizá-la.
Ao se falar em Constituinte, está-se reportando àquilo que em teoria constitucional é chamado de “poder constituinte originário”, ou seja, o poder de natureza política encarregado de escolher e formalizar as normas constitucionais. Ao elaborar a primeira Constituição de um estado, tal poder recebe o nome de “poder constituinte histórico”; na hipótese de criar uma nova Constituição, é doutrinariamente chamado de “poder constituinte revolucionário”.
Ora, se não estamos criando a primeira Constituição do Estado, nem elaborando outra Constituição para substituir a de 1988, toda e qualquer reforma no texto constitucional só pode ser feita por meio de Projeto de Emenda à Constituição (PEC), conforme estabelecido no artigo 60 da CF/88, desde que tais propostas não tendam a abolir (i) a forma federativa de Estado; (ii) o voto direto, secreto, universal e periódico; (iii) a separação dos Poderes e (iv) os direitos e garantias individuais. Essa reforma no texto constitucional por meio das PECs leva o nome de “poder constituinte derivado” ou “poder derivado reformador”.
Pois bem, se não há empecilho algum à propositura de uma PEC para a realização da reforma política – mesmo porque ela não atentaria, em tese, contra as chamadas cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, incisos I a IV da CF/88) -, o que justifica essa precipitação do governo petista em convocar, ao arrepio da ordem jurídica constitucional, um plebiscito seguido de uma Constituinte? O clamor das ruas? A falência do atual modelo político? O temor de uma revolução? A sanha golpista? A implantação de um regime inspirado nas avançadas democracias da Venezuela, Argentina, Peru e Bolívia?
Sinceramente, convocar governadores e prefeitos para um pacto cujo ato inicial é exatamente promover um atentado contra a Constituição e o Estado brasileiros não passa de manobra golpista de Dilma Rousseff. E de contrabando, não duvido que metam nessa reforma a possibilidade de um terceiro, quarto, quinto… mandato consecutivo. É da natureza dos golpistas a perpetuação no poder.
Paulo Márcio é delegado de Polícia Civil desde 2001. Especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública (UFS) e em Direito Penal e Direito Processual Penal (Fase). Foi Presidente do Sindepol-SE, Superintendente de Polícia Civil de Sergipe, Corregedor Geral de Polícia Civil. Atualmente é titular da 10ª Delegacia Metropolitana. É colunista do portal Universo Político.com E-mail [email protected] paulomarcioramos.blogspot.com.br