Por Joedson Telles
“Nostalgia é saudade do que vivi, melancolia é saudade do que não vivi”. A notícia da morte do autor da frase que abre, oportunamente, este texto, o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, que, aos 91 anos, partiu vítima de falência de órgãos, transporta-me, com consternação, para o tempo em que cursei jornalismo na UFS. Ali, o descobri. Não apenas nos livros, mas também na sua coluna na Folha de S. Paulo. Vizinha ao espaço do também genial jornalista Clóvis Rossi, a propósito. Leitura obrigatória na página 2.
Revelo: a opinião sempre foi minha pedida jornalística favorita. Um texto pode ser uma obra de arte. Até hoje, leio reportagens, notas e entrevistas para me informar, mas opiniões por satisfação. Evidentemente, o texto tem que ser bem construído para atrair.
Enquanto colegas do curso de jornalismo sonhavam com TV, rádio, coluna social, esporte, revista… O jornalismo de opinião, sobretudo focando a política, povoava a minha mente sem pedir licença.
À medida que fitava textos opinativos, ratificava o destino: opinar. Nos momentos certos. Jamais por coação. Respeitar as pessoas citadas, as leis, o leitor, mas nunca se furtar: expor o ponto de vista ainda que desagrade terceiros. Os verbos gostar e obrigar só desfilam lado a lado na exceção da regra. E glória a Deus por este modesto espaço…
Não pagaria o mico de registrar aqui que aprendi a escrever com Cony. Primeiro por achar perigosa a conjugação do verbo aprender no pretérito perfeito. Opto pelo futuro do presente. Busco dominar o ofício até hoje – e quanto mais encosto os dedos no teclado do computador, a tela diz com eloquência e frieza que preciso ler mais, amealhar mais conteúdo, exercitar mais.
Sem falar que coerência e coesão são pérolas atingíveis somente mediante esforço e paciência. Leva tempo. E esbarrar num texto do Cony é não se permitir ao grotesco. Um dia, contudo, chego lá.
Mas como ia dizendo, não tive em Carlos Heitor Cony um professor. Infelizmente, a vida não me assegurou tamanho privilégio. Sinto-me contemplado, todavia, por ter sido aluno do saudoso professor Antônio Carlos Viana, cujo legado dispensa apresentação. Cony foi mais um incentivo. Diria até inspiração para se aventurar.
Ler uma crônica, um artigo, um romance do Cony sempre será uma senha para quem nasceu com o mínimo de vocação ser apresentado a este mundo fascinante da escrita. Obrigado, Cony.
Cony é (e aqui, de propósito, ponho o verbo no presente, lembrando que o legado não desce à sepultura) um daqueles jornalistas que, ainda que o leitor não concorde com nada que ele expresse, vai até o final do texto só pelo fato de apreciar sua qualidade gramatical. Tamanha facilidade com as letras. Que escritor acaba de nos deixar…
Fico triste – e muito mais desconfiado – quando flagro um estudante de jornalismo que não se espelha em ímpares da arte de escrever como Carlos Heitor Cony. Alguns sequer os conhecem.
Não tem sentido almejar ser jornalista – ao menos um bom jornalista – se dando ao luxo de abrir mão de Cony, Machado de Assis… São expoentes que dominam o ofício e sempre perpassam algo positivo. Tratam as letras como “você”. Assim como o Pelé tratou a bola. Na intimidade.
Já fui criticado por “colegas” de profissão por escrever em primeira pessoa. Normalmente, estes preferem “esta coluna pensa…” a “eu penso”. Respeito, mas dou de ombros. Questão de estilo e ponto final.
Cony costumava dizer que escrever é como colocar água numa fonte que uma hora transborda. As pessoas vão acumulando leituras, informações e uma hora escrevem. Bem, mais ou menos ou mal. Mas há ainda aqueles escritores cujos textos encantam pela qualidade bem acima da média. Cony sempre estará neste time.
P.S. Cony não acreditava em Deus. Agora tem a oportunidade de escrever sobre seu maior equívoco. O encontro com o Pai é inevitável.