Por JoedsonTelles
Enquanto Idelfonso – mecânico dos bons – mexe no motor do carro, promovendo mais uma revisão, descarto o vício das redes sociais e opto por refletir sobre os desdobramentos da prisão da presidente do DEM de Sergipe, a jornalista Ana Alves. Um deles – o que mais chamou a minha atenção, na tarde de sol forte – foi justamente espelhar um daqueles raros casos em que emergem pessoas que sequer sabem se a acusada é culpada ou inocente, mas põem mão, braço e todo o corpo nas chamas. A prisão não passou despercebida.
De fato, e já escrevi neste espaço, devemos assegurar o benefício da presunção da inocência. Sem provas sem condenação. Todavia, o sentimento em prol de Ana Alves parece longe de estar atrelado ao aspecto jurídico.
Respeitando a exceção da regra, o que tem de gente solidária à filha do ex-governador João Alves Filho e da senadora Maria do Carmo, e não ao ser humano Ana Alves lota um Maracanã.
O problema é que nem todo mundo tem coragem de colocar o dedo na ferida. Mas é a pura verdade. Se Ana Alves não fosse quem é, na mesma situação, estaria esquecida a mofar atrás das grades. Sequer havia febre nas redes sociais.
O que assegura o juízo? Bom: é só lembrar que muita gente com a mesma presunção da inocência está na cadeia, mas nem por isso consegue sensibilizar as mesmas pessoas que estão tocadas com o caso Ana Alves.
No caminho de casa, enquanto testo o carro, sou assaltado pelo mesmo tema e repasso as indagações que emergiram ao internauta: se Ana Alves fosse filha de seu Zé da Bodega com uma lavadeira de roupas a sua prisão atrairia tanta gente solidária? Se Ana Alves se encaixasse em um dos três “Ps” teria a atenção que vem tendo de todos? Se Ana… Gostaria de queimar essa linguinha.
É triste admitir, mas existem pessoas que mesmo flagradas em “gestos grandes” são pequenas. Ser solidário, se sensibilizar, lamentar que Ana Alves esteja vivendo o pior momento da sua vida é algo cristão. Sublime. Nobre. É o correto. Vibrar com a desgraça alheia seria anormal. Assustador até. Registro em tempo – antes de ser massacrado pela distorção do raciocínio.
O problema, contudo, e não é culpa de Ana Alves, lógico, é que não vemos estas mesmas pessoas sensíveis quando problema parecido é vivido em outras peles e jogado na mídia. Quando viram as costas para uma pessoa pobre, mas usam da empatia com a filha de um ex-governador com uma senadora o cheiro de demagogia exala de pronto.
Já vou chegando ao prédio onde vivo, nos últimos anos, quando lembro que, quando exercia a função de repórter no Cinform, escrevi certa feita uma reportagem sobre “prisões injustas”. Ou algo do tipo. O fato é que narrei ali a história de uma mulher que estava presa porque um caminhão havia tombado e ela participou do grupo de pessoas que avançaram sobre a carga de alimentos.
Envergonhada, a interna admitiu o erro, alegando que estava com fome e tinha quatro filhos para alimentar. Sem marido e emprego, época em que nem Bolsa Família existia, viu no crime a saída. Se não bastasse a história, fui tocado quando uma companheira de sela se meteu na conversa e disparou: “veja se o senhor consegue que algum parente dela traga roupas. Ela só tem uma calcinha, quando lava fica sem até secar”.
Fiz a informação chegar à família da interna. Era o mínimo que poderia fazer. E deixei o Presídio Feminino, na época no Bairro América, indagando o óbvio aos botões: se fosse uma patricinha estaria ali abandonada só com a roupa do couro? A resposta foi ratificada na mente no momento em que rodei a chave para desligar o motor do carro com a certeza que nunca esteve tão bom. Idelfonso continua sendo o cara.