Por Joedson Telles
Responsável pelo marketing da campanha vitoriosa do então candidato Fábio Mitidieri (PSD), o jornalista e publicitário Carlos Cauê faz, nesta entrevista que concede ao Universo, neste domingo, dia 6, uma analise das eleições 2022 para o Governo do Estado. Cauê diz o que foi determinante para a virada de Fábio, comenta a aliança Rogério/Valmir, aborda a questão do marketing, das fake news e das pesquisas, fala da expectativa sobre os governos Fábio Mitidieri e Lula e ainda afirma que a campanha do adversário, Rogério Carvalho (PT), seguiu a estratégia do então candidato a presidente, Jair Bolsonaro (PL). “Acusar os outros de fazer aquilo que fazem. Essas acusações serviam para disfarçar os erros estratégicos em sua campanha, como a falta de propostas concretas e uso excessivo de Lula como muleta. O que sei é que a campanha de Rogério findou seguindo um figurino antigo, agressivo, arrogante”, diz.
Como o senhor avalia as eleições para o Governo do Estado de Sergipe?
Foram eleições singulares, para dizer o mínimo. O primeiro turno foi surreal, com um candidato que estava inelegível fazendo campanha normalmente. Era difícil para o eleitor entender o que estava à sua frente: “olha, seu candidato pode fazer campanha, aparece na TV e no rádio, vai ter sua foto na urna, mas ele está inelegível e seus votos serão anulados”. Tudo isso causou uma confusão enorme na cabeça do eleitor. Isso sem falar na polarização extrema na sociedade entre dois projetos políticos que se antagonizavam e que há quatro anos dividiu o país em dois blocos. Essa situação piorou ainda mais o ambiente eleitoral no país e aqui também em Sergipe.
O que Sergipe pode esperar do governo de Fábio Mitidieri?
Exatamente o que ele prometeu: renovação. Ao longo da campanha, Fábio demonstrou as qualidades de um líder: uma grande capacidade de trabalho, compreensão de seu papel histórico e do que é necessário fazer para fazer Sergipe avançar. Fábio deve abrir espaço para a sociedade participar do seu governo, e ao contrário de Belivaldo, vai encontrar um estado com finanças saneadas, o que deve facilitar a construção dessa renovação. Fábio tem as condições necessárias para iniciar um novo ciclo na política sergipana. Está completamente atento às prioridades do estado e disse isso o tempo todo durante a campanha: gerar emprego, combater situações de fome onde isso se manifestar, elevar o nível de prestação de serviços como saúde, educação, inclusão social e abrir uma agenda de modernidade no estado, trazendo pautas como o meio ambiente, a cultura, a economia 3.0 para a agenda do governo.
O que foi determinante para a virada de Fábio Mitidieri, no segundo turno?
A adesão de Valmir a Rogério. Quando os dois se uniram, sem nenhum eixo programático que justificasse tal aliança, os eleitores dos dois, principalmente os de Valmir, entenderam que acreditaram num líder que não merecia o seu voto. A revolta causada por esse episódio desmascarou a pregação de Valmir, de um lado, e de outro mostrou até onde Rogério estava disposto a ir para se eleger. Além disso, o segundo turno deixou a eleição mais clara, e então os sergipanos puderam comparar os dois projetos em disputa, o histórico de cada candidato. Fábio foi quem melhor entendeu que se tratava de uma nova eleição. Reorganizou sua campanha na rua, com uma coordenação mais efetiva. E ampliou suas ações. Importante também destacar o equilíbrio político que a campanha conseguiu realizar, uma vez que sabíamos que um percentual amplo da base bolsonarista não votaria num candidato do PT de maneira nenhuma. Então, tratava-se de abrir espaço para esses eleitores, ao mesmo tempo que não poderíamos afastar um contingente considerável de eleitores lulistas que já haviam demonstrado no primeiro turno que não queriam votar em Rogério. Não foi um equilíbrio fácil, sobretudo porque Rogério havia conseguido na Justiça nos tirar o direito de usar a imagem de Lula, falar em Lula, ou utilizar-nos da imagem do petista a nosso favor. Felizmente, tivemos habilidade, maturidade e inteligência para saber nos conduzir, atraindo lulistas e bolsonaristas para o projeto estadual, mostrando que, para Sergipe, Fábio era a melhor opção. Nesse sentido, é preciso destacar o enorme papel que o senador já eleito, Laércio Oliveira, desempenhou para a base bolsonarista, na chancela da candidatura de Fábio, apresentando-o como a opção certa. Laércio foi correto, fiel, companheiro e profissional. De outro lado, o fato de o prefeito Edvaldo Nogueira ser eleitor de Lula, sinalizou para o eleitorado a não obrigatoriedade do voto “13 13” como pregado pela campanha do adversário. O trabalho de Edvaldo deu resultado e a larga vitória em Aracaju é prova cabal disso.
Há quem diga que o ex-prefeito de Itabaiana, Valmir de Francisquinho, foi o maior cabo eleitoral de Fábio Mitidieri, por conta de ser um bolsonarista apoiando um petista. O senhor pensa assim também?
O apoio declarado de Valmir a Rogério foi um grande tiro nos pés dos dois. Valmir tinha saído muito forte da eleição, mas ao se aliar a um candidato do PT alienou completamente a sua base bolsonarista e deixou um gosto amargo na boca dos eleitores de Lula, que já tinham escolhido não votar em Rogério. Até mesmo dentro do PT, aceitar o apoio de um bolsonarista declarado representou um sapo — ou um pato — duro demais de engolir. Valmir terminou o segundo turno muito menor do que saiu do primeiro, e Rogério não se beneficiou de verdade com esse apoio. Mas o maior cabo eleitoral de Fábio foi o povo sergipano, não esqueça disso. Foi ele que ganhou as ruas com Fábio e colocou o 55 na urna.
Qual o peso do marketing no êxito da campanha de Fábio Mitidieri?
O marketing sempre tem um grande peso em qualquer eleição. Essa campanha, no entanto, foi atípica. A polarização entre Lula e Bolsonaro colocou, em um primeiro momento, a disputa estadual em segundo plano. Mas no segundo turno, quando não havia mais as eleições proporcionais e para o Senado em disputa, a população passou a prestar atenção na eleição para governador, e então o marketing desempenhou um papel fundamental. Conseguimos fazer uma campanha propositiva, simples, direta, que informou a população acerca dos projetos de Fábio para Sergipe e lhe deu os subsídios para que ela tomasse a decisão mais acertada. Apresentamos Fábio como a renovação política na eleição e o eleitorado viu assim. Fizemos a diferença entre os dois projetos e mostramos as contradições do outro candidato e de sua candidatura. Aspecto que não pode deixar de ser levado em conta é que Fábio venceu Lula em Sergipe, mesmo que, para minha felicidade e regozijo, Lula tenha ganho em Sergipe e vencido em todos os municípios, nossa candidatura estadual derrotou a pregação lulista exageradamente posta em marcha pela campanha de Rogério. Isso não é tarefa fácil, haja vista a situação de todo o Nordeste.
Por que Fábio Mitidieri não compareceu ao debate promovido pelo grupo Fan de Comunicação?
Porque avaliamos que seria um esforço que não valeria a pena, como aliás, restou evidente. Se comparado os níveis de audiência daquele debate com os do portal Itnet, por exemplo, fica claro o menor alcance da Fan. Além disso, é preciso entender que os debates não são atos obrigatórios de campanha, mas uma tradição que os meios de comunicação vieram cultivando. A ida ou não a eles é uma decisão dos candidatos e os candidatos têm o direito de decidir. Muitos veículos utilizam a grande expectativa que os debates causam para robustecerem suas audiências ou seus profissionais condutores. Muitos deles servem mais aos veículos do que aos eleitores ou aos candidatos. Lula deixou de ir a alguns debates. Bolsonaro, no passado, não foi a nenhum. É uma decisão tática ou estratégica de cada situação.
Qual sua opinião sobre as pesquisas, neste pleito de 2022?
Creio que está claro que os institutos devam aprimorar seus métodos de coletar a opinião dos eleitores. Talvez, o método utilizado até hoje, sem levar em conta fatores novos que coexistem na atualidade — como as redes sociais — ou situações limítrofes, como a polarização que se estabeleceu na sociedade, não consiga captar a verdadeira decisão do eleitor. Um fenômeno já conhecido da ciência política e que tem o condão de camuflar opiniões é o que se chama de “espiral do silêncio”, em que num ambiente contaminado pela opressão os eleitores optam por silenciar sobre suas reais opções, deixando que minorias barulhentas apareçam mais. Também não podemos deixar de anotar que a defasagem dos dados demográficos do IBGE, causados pelo atraso no Censo, talvez tenha tornado mais difícil avaliar com precisão o cenário político naquele momento e tornado as pesquisas menos precisas. Além disso, em época de eleição, pipocam institutos sem credibilidade, que apresentam resultados no mínimo questionáveis. Mas elas são um importante instrumento de aferição do momento, e em vários momentos foram fundamentais para que pudéssemos corrigir rotas ou mostrar o acerto de nossas decisões.
Como avalia as críticas do então candidato do PT, Rogério Carvalho, dirigidas à campanha de Fábio Mitidieri, inclusive, falando em fake news ventiladas pela campanha de Fábio?
Rogério dizia que o seu voto pela aprovação do Orçamento Secreto era fake news, que os escândalos na Saúde durante sua gestão eram fake news, que os processos a que respondia eram fake news. E nós sabemos que tudo isso é verdade. Enquanto isso, o número de mentiras criadas pela sua campanha foi impressionante — até chamaram Fábio de “Mentidieri” por mostrar esses fatos. Eles seguiram a estratégia de Bolsonaro de acusar os outros de fazer aquilo que fazem. Essas acusações serviam para disfarçar os erros estratégicos em sua campanha, como a falta de propostas concretas e uso excessivo de Lula como muleta. O que sei é que a campanha de Rogério findou seguindo um figurino antigo, agressivo, arrogante. Conheço Candisse, a sua coordenadora de campanha, e sei que ela é uma pessoa bacana e dedicada. Mas talvez uma necessidade opressiva de se afirmar profissionalmente, talvez o peso da responsabilidade em conduzir uma campanha estadual, talvez mesmo o fato de ser esposa do candidato, ou ainda talvez uma certa arrogância adolescente, faça com que ela semeie antipatia e resistência ao seu trabalho. Sua conduta belicista nas redes, mesmo em época não eleitoral, se pareceu muito com o que vimos na campanha e o resultado dela por ter vindo na esteira dessa característica. O resto é a procura por desculpas para justificar a derrota.
Na sua opinião, sobretudo nas redes sociais, foi uma campanha dentro do esperado ou rasteira?
Rasteira, conforme o esperado. A internet tem modificado a forma como se desenrola uma campanha eleitoral, de maneiras nem sempre positivas. É algo com que a sociedade tem que se preocupar, mas também acredito que ela está começando a discernir entre o joio e o trigo. É impossível ter controle sobre o que sai nas redes, refletindo a participação popular ativa nas campanhas. Não acho que isso faça bem à democracia. Mas esse é um dado objetivo com que a sociedade, acredito, está começando a lidar.
Como avalia a eleição de Lula?
Em poucas palavras, é o fim de um período de quatro anos de trevas. Mostrou que as instituições democráticas brasileiras são fortes o suficiente para aguentar todas as tentativas de sabotagem de que foram — e ainda são, basta ver os bloqueios nas estradas protagonizados pelos eleitores de Bolsonaro e os séquitos de imbecis na frente dos quartéis — vítimas. Agora, por mais que o meu coração tenha se refestelado pelo meu voto em Lula e pela sua vitória, por tudo o que ele representa e pelo que pode fazer por Sergipe e pelo Brasil, repito, fiquei muito contente por termos lhe vencido no plano estadual. Fizemos uma campanha contra um fenômeno político sem precedentes na história do país, cuja influência pode ser decisiva nas disputas estaduais; a Bahia é um exemplo eloquente do que falo, onde Lula elegeu um completo desconhecido. Aqui, nós conseguimos derrotar o seu candidato, um feito histórico. Desculpa, Lula, mas Fábio é mesmo o melhor para Sergipe.
Qual expectativa o brasileiro deve nutrir desta volta de Lula ao poder?
Lula deve fazer um governo de transição e de recomposição da normalidade institucional e democrática. É preciso pacificar o Brasil e trazer à tona o melhor que o povo brasileiro tem e que se deteriorou nos últimos anos. E também fazer um governo de reconstrução de conquistas objetivas que vieram se perdendo nos últimos seis anos, como poder de compra, reinserção do país dentro da comunidade internacional, distribuição de renda e reorganização econômica. É uma tarefa muito difícil, mas se tem alguém que pode conseguir isso, é o presidente Lula. E eu torço por isso.