body { -webkit-touch-callout: none; -webkit-user-select: none; -khtml-user-select: none; -moz-user-select: none; -ms-user-select: none; user-select: none; }

Projeto de Eduardo D’Ávila alija maioria da classe e vai gerar desunião no MP, alerta Nilzir Soares

Por Paulo Sousa

Uma mudança na Lei Complementar nº 182/2010, visando restringir a participação de promotores de Justiça na eleição para o cargo de procurador geral de Justiça, está colocando em confronto promotores e procuradores de Justiça. A alteração na lei estadual é de autoria do procurador geral de Justiça, Eduardo D’Ávila. O anteprojeto de lei que já foi aprovado pelo Colégio de Procuradores de Justiça é repudiado pela Associação Sergipana do Ministério Público (ASMP), que avalia como sendo uma medida para prejudicar os promotores e enfraquecer a democracia na instituição. O mesmo entendimento tem a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). Sobre este assunto, conversamos com o presidente da ASMP, promotor Nilzir Soares, que demonstra preocupação com a possível aprovação da matéria legislativa. Para ele, o anteprojeto representa um histórico retrocesso democrático e institucional.

O senhor assumiu recentemente a Associação Sergipana do Ministério Público, quais suas perspectivas de trabalho para essa importante entidade de classe?

Para ser sincero com você, Paulo, nós estamos totalmente focados nessa possível alteração legislativa que visa extinguir a capacidade eleitoral passiva e a elegibilidade dos membros do Ministério Público. Não pensamos em outra coisa a não ser nisso, para ser muito sincero.

Então explique o que significa esse anteprojeto que está sendo preparado pelo procurador geral de Justiça, Eduardo D’Ávila, que pode comprometer a liberdade de escolha e a autonomia dos promotores.

Para o leitor me entender melhor, se você me permite, eu gostaria de fazer um breve histórico. Queria voltar ao ano de 2010, quando nossa lei orgânica foi alterada para trazer essa inovação que nós entendemos que é nossa ampliação da democracia. O então governador Marcelo Deda (PT) sancionou uma lei que foi gestada no Ministério Público, com ampla participação e debate na classe, conduzida essa mobilização, digamos assim, também pela associação sergipana, na época o presidente era o Djaniro Jonas, e Sergipe era na época um dos cincos estados que proibiam a candidatura de promotor. Eu queria dizer, prestar esse testemunho, não como presidente, mas sim como promotor de justiça, a opinião da imensa maioria dos colegas, que ao longo de nove anos o Ministério Público evoluiu sensivelmente sobre todos os aspectos. Nós tínhamos naquele momento a gestão da procuradora de Justiça, Maria Cristina Mendonça, que foi importantíssima do ponto de vista administrativo e estrutural. Fizemos concurso público e tivemos uma nova sede, tivemos ao longo de oito anos dois procuradores gerais, promotores de justiça. Dr. Orlando Rochadel, que depois veio a ser escolhido conselheiro nacional do Ministério Público, e corregedor nacional do Ministério Público, para se ter uma ideia, é o segundo cargo mais importante do Ministério Público, nós teríamos acima do corregedor nacional apenas o procurador geral da república, para se ter uma ideia. E depois o colega José Gomes Silva Almeida, procurador geral e também promotor de Justiça. Falo com todo franqueza que ainda que você discorde de algum, ou de outro ponto, de ambas as gestões, não conheço promotor que não aplauda os avanços administrativos funcionais e institucionais alcançados nas gestões desses dois colegas, certo. E para que você tenha ideia do impacto estrutural no nosso arranjo orgânico, esses dois promotores hoje não poderiam ser candidatos de acordo com essa nova norma que se pretende implantar na nossa Lei Orgânica. Promotores que inclusive contaram com amplo apoio e o voto aberto do atual procurador geral de justiça, Eduardo Barreto D’Ávila Fontes.

Esses promotores que já chefiaram o Ministério Público de Sergipe também discordam da proposta do atual procurador geral?

Ambos os promotores, inclusive já se manifestaram publicamente contra esse projeto, da mesma forma como se manifestaram 101 colegas que expressaram essa vontade de segunda-feira para cá, para você ver como a coisa é muito clara, como a vontade da classe se manifesta de uma forma muito cristalina. Ao lado dessa manifestação dos colegas, 101 colegas, nós temos o posicionamento firme e claro da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), entidade de nível nacional que congrega 17 mil membros do Ministério Público, emitiu uma nota defendendo a nossa democracia e chamando a atenção de que o modelo de Sergipe, aquele instaurado por obra dos nossos colegas baluartes da nossa democracia, que na época contavam em suas fileiras, inclusive com Eduardo D’Ávila, e também obra do nosso governador democrata Marcelo Deda. Esse modelo é hegemônico dos 30 Ministérios Públicos, estão presente em 27, não está presente em apenas três: São Paulo, Minas Gerais e Roraima, e para esses há questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive com pronunciamento da Procuradoria Geral da República como órgão de cúpula do Ministério Público Federal pela declaração de inconstitucionalidade dessas normas, por entender que ela estabelece uma discriminação arbitrária e abusiva para os membros do Ministério Público que não está encampada na constituição, e que acaba de criar por essa fragmentação das classes e categorias um clima de desunião no nosso meio. Então assim, temo a consciência de que não há motivos para mudar.

Neste caso específico o procurador geral de Justiça, Eduardo D’Ávila, não estaria respeitando a vontade dos membros da instituição e a própria democracia?

Queria lembrar aqui uma frase, talvez de um dos maiores estadista que já houve, o primeiro ministro britânico, Winston Churchill, que liderou a Europa e o mundo civilizado na época do nazismo, e dizia que a democracia não é perfeita, mas que de todas as formas de governo conhecida é a pior, é a pior forma de governo, salvo todas as outras. É muito significativa essa frase do Churchill. A democracia realmente é ruidosa, a democracia gera incômodo. Para você ter uma ideia, Paulo, eu participo da política institucional pelo viés associativo e já participei de três eleições. Ganhei duas e perdi uma, estou aqui para debater com os colegas e amigos sem ter nenhum tipo de constrangimento, quando a gente perde, a gente fica triste, mas a gente tem que levantar a cabeça, e pelo menos quem se dispõe a participar da institucional tem que se expor para os colegas, pra o debate e apresentar as suas ideias e planos, e os colegas a partir desses projetos e planos e dos predicados pessoais dos candidatos, escolhem. Esse é o proposito da democracia, a gente caminha para frente nesse sentido e entendemos, Paulo, que assim pode parecer um pouco contundente a minha afirmação, mas eu acho que a gravidade da situação justifica ela, Sergipe dará um péssimo exemplo para o Brasil, a terra de Tobias Barreto, Fausto Cardoso, Marcelo Deda, Carlos Brito, nosso ministro poeta e conterrâneo de Propriá, que são símbolos do pensamento progressista, pensamentos que sempre foi farol para o país, dará um exemplo de retrocesso e um exemplo de desprestígio a democracia, esse valor basilar da nossa constituição, espinha dorsal da nossa organização política, cântico dos cânticos, não há nada mais precioso para nós do que a democracia, e nós, veja que contradição, instituição vocacionada à defesa da democracia, está lá no artigo 127 da nossa Constituição, aparentemente se mostra incapaz de respeitar essa democracia do âmbito interno.

Temos no Brasil casos em que promotores de Justiça foram “promovidos” a ministros do Supremo Tribunal Federal, a maior corte judicial do país. Se para se tornar ministro da Suprema Corte basta o candidato ter os 35 anos de idade e as demais exigências de praxe, porque para se tornar procurador geral de Justiça a exigência tem que ser maior, segundo o anteprojeto do procurador Eduardo D’Ávila?

Queria lhe dar, além do exemplo do conselheiro nacional, nosso colega promotor de justiça, que saiu de lá agora em setembro, não é algo do passado remoto, o Orlando Rochadel, para ministro do Supremo temos pelo menos quatro que vieram do Ministério Público e ingressaram na Suprema Corte sem a observância desses requisitos, basta ter 35 anos, é aquele requisito que entende que se tem um mínimo de maturidade que existe para o cargo. Qual a diferença entre termo de complexidade entre o cargo de procurador geral de justiça e o do ministro do Supremo? Qual o sentido nisso? Procurador Geral do Ministério Público do Trabalho, que é ramo do Ministério Público da União e tem que ter 35 anos de idade e cinco de carreiras. Procurador Geral do Ministério Público Militar, também é ramo do Ministério Público da União, 35 anos de serviço e cinco de carreira, requisitos até menos exigentes que os atuais para a gente. O que Sergipe tem de especial? Eu queria que alguém me explicasse o que há de tão mais complexo na tarefa de chefiar o Ministério Público de Sergipe que justifique esse processo de alijamento da imensa maioria da classe, algo que a pretexto, digamos assim, aplacar lutas internas, vai sim gerar desunião em nosso meio, porque promotor de justiça, profissionais talhados na lida com investigações do crime organizado, improbidade administrativa, defesa de direitos fundamentais, nós que somos a gentes políticos nos tornaremos meio cidadão em nossa própria casa, porque teremos como possíveis candidatos, invés de 134 membros, ou possivelmente 134, que possam preencher as exigências legais, apenas 14 procuradores e 17 promotores.

Pelo que observo o anteprojeto sofre uma rejeição muito grande da classe, inclusive dos membros do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), que são indicados exclusivamente pelo procurador geral?

Eu quero chamar atenção para algo que tenho ressaltado nas conversas que tivemos nos últimos dias com parlamentares e com o próprio governador. Nós sabemos da grande deferência que o Parlamento tem com os projetos vindos do Ministério Público, fruto inclusive da respeitabilidade e da confiabilidade que a instituição tem diante desses poderes e da própria sociedade. O Ministério Público, em seu caminhar histórico alcançou esse patamar de instituição independente e de instituição que defende os valores institucionais e valores republicanos. Mas tenho chamado atenção para esse projeto que é algo muito diferente. Eu não posso trazer aqui argumentos paroquiais, pois estamos tratando de uma questão nacional, do modelo do Ministério Público brasileiro. Para você ter uma ideia à rejeição ao projeto é tão grande, que nessa lista de 101 colegas que subscrevem temos colegas que estão participando da administração do procurador geral. Todos os membros do Gaeco, que é um órgão composto por colegas designados pelo procurador geral por forma livre e que executam um trabalho importantíssimo de combate ao crime organizado, todos, sem exceção, inclusive a minha adversária na última eleição da Associação Sergipana do Ministério Público, a Dr. Luciana Duarte, uma excelente colega, o meu antecessor, meu querido amigo, Jarbas Adelino, que fazem parte da administração e que têm excelentes relações, inclusive com o procurador geral, eles subscrevem nosso manifesto. Para ficar bem claro que não se trata de uma questão paroquial, não se trata de questões de política interna, que toda instituição há, não há como negar isso. Como disse a democracia é ruidosa e a democracia gera desconfortos que produzem resultados excepcionais. Então esses desconfortos simultâneos são assimiláveis. Então, que fique claro isso.

Esse anteprojeto dá amplos poderes para uma minoria em detrimento da maioria? Expõe Sergipe negativamente? Qual seria a responsabilidade da Assembleia Legislativa e do próprio governador?

Esse é um projeto que visa expor Sergipe, e todos têm responsabilidade nisso, não é só o Ministério Público que tem, porque se o projeto sair vai sair com o aval de 14 membros respeitabilíssimos, que são referências para nós, que são os procuradores de justiça, mas que têm um interesse direto no formato assim proposto, por assim estar, digamos assim, ampliando poderes daquele colegiado, está restringindo a participação da maioria para prestigiar a participação deles. Com o devido respeito que eu tenho, eu não ajo de outra forma. Então há responsabilidade do Ministério Público, há responsabilidade da Assembleia Legislativa e do governador que é um democrata e um cidadão de excelente trato, eu sou testemunha, pois todas as vezes que o procurei para tratar de questões institucionais ele nos tratou com a maior fidalguia, maior educação e atenção possível. Então tenho certeza que esses atores que tanto prestigiam a democracia, que tanto prestigiam a vontade da maioria expressada de forma livre, não darão o seu aval, e não porão sua digital em um projeto desse.

Quais serão os próximos passos que a associação vai tomar diante dessa decisão do procurador de não recuar?

Vamos levar essas posições de oposição ao projeto, que se firma não apenas pelas razões que apresentei, mas pela completa ausência de debate com a classe, o projeto tramitou de forma silenciosa. A sessão de julgamento foi marcada sem que o Ministério Público sequer deferido uma intervenção no procedimento de se manifestar no procedimento de forma escrita.

Ou seja, o projeto que interfere na vida profissional dos promotores foi elaborado pelo procurador sem a participação dos próprios promotores?

Algo muito diferente da gênese da Lei Complementar que alterou para acolher a candidatura de promotor. Ali sim foram dois anos de discussão, para você ver a diferença. Até sexta-feira da semana passada a associação não tinha qualquer conhecimento da ideia e mobilização em torno do projeto. Nós tivemos certeza em uma reunião com o procurador geral. Então, vejam como as coisas de sucedem de forma rápida e até de forma atropelada. Então temos essa sessão e esperamos que os procuradores de justiça se sensibilizem com esses argumentos, nós temos muito respeito aos nossos colegas, é bom que fique bem claro, temos respeito a todos, inclusive ao nosso procurador geral que é um colega inteligente, comprometido com o trabalho, que tem história rica em nossa instituição e que merece ser reconhecido aqui pelo presidente da associação, mas que nesse caso está cometendo um grave equívoco. Falo isso com todo respeito e tranquilidade, mas também com toda convicção, por todos os argumentos que apresentei. Esse projeto é um grande equivoco. Trabalharemos na Assembleia Legislativa, se necessário for, espero que não, e trabalharemos juntos ao nosso mandatário maior, que é o governador, para que não sancione essa lei, que vete essa lei, caso ela seja aprovada nos dois colegiados. Então, esse trabalho é incansável, só pararemos, só descansaremos quando esse projeto for definitivamente abandonado.

O procurador geral Eduardo D’Ávila foi o segundo da lista tríplice. O governador Belivaldo Chagas errou ao escolher o último da lista e não o primeiro?

Sobre esse episódio da eleição para procurador geral, queria fazer um breve comentário que realmente houve esse fato pela primeira vez na nossa história institucional, de um promotor, de um candidato menos votado ser nomeado o procurador geral de justiça, houve uma quebra de tradição. Mas queria fazer um esclarecimento em relação a isto. Essa situação gerou desconforto para a maioria da classe, mas um desconforto passageiro, pois nós sabemos que o governador do estado tem a prerrogativa constitucional de escolher livremente da lista tríplice, o governador atuou nos limites da constitucionalidade, ele exerceu essa prerrogativa dentro das regras do jogo, então temos que respeitar a decisão. Desconforto há, não há como negar, mas há na sequência imediata um sentimento de profundo respeito na posição do governador. Mas essa é uma situação completamente diversa, Sergipe quer ser diferente sobre a pior conformação possível. É uma desestimulação da nossa instituição. Já procurei comentários de que é preciso tirar os radicais da política interna. Quem são os radicais? Quais são os fatos objetivos que denotam esse extremismo de alguns? Nós não enxergamos. A democracia permeia em muitas falas, mas entendemos que ela é aperfeiçoada em seu exercício. Se um candidato se apresenta e é eleito pela classe e na sequência pelo governador e não atende as expectativas, certamente ele não será reconduzido, e reiniciaremos o debate e outros candidatos apareceram, como é um processo de depuração e vivência, é algo que não se explica nos livros, mas sim na prática, a democracia é isso. Nós não queremos perder isso, Paulo.

 

Modificado em 26/10/2019 10:53

Universo Político: