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Falar em “marketing do mal” é criar desculpa e não encarar as razões da derrota, diz Carlos Cauê

Cauê: analisando a política à luz do marketing

Por Joedson Telles

Responsável pelo marketing político vitorioso das campanhas do saudoso Marcelo Déda, do governador Jackson Barreto e do prefeito eleito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, entre outros, o jornalista, publicitário e poeta Carlos Cauê, nesta entrevista que concede ao Universo, faz uma análise das eleições em Sergipe à luz do marketing político. Cauê também aponta o que leva uma candidatura a ser vitoriosa, explica porque o marketing não faz milagre, quando o candidato é ruim, fala da sua trajetória e rechaça a pecha de “marqueteiro do mal” com a qual adversários tentam lhe marcar. “É um sofisma, uma tentativa de atribuir a uma possível força exterior a vitória do candidato (adversário) e a derrota sua (de quem usa o termo). Onde está o ‘marketing do mal’? Nossa tecla foi dizer que Valadares não tinha realização em Aracaju, e não tem. Condenar a ligação dele com pessoas de trajetórias duvidosas na sociedade, que é verdade e ele não pode negar. Terceiro, a quase invasão que a candidatura dele sofreu do DEM, caracterizando, ele quer queira quer não, como o candidato de João, porque João não votaria em Edvaldo. É preciso olhar os fatos com acuidade para não se iludir. Quando tenta se falar de ‘marketing do mal’, na verdade, se tenta criar uma desculpa e não encarar as razões da derrota. Tem um aspecto político que a sociedade aracajuana fez com Valadares Filho: ela olhou e disse que não ia com ele”, diz Carlos Cauê. “A sociedade ficou no dilema: escolher a opção que dizia que era nova ou a que já fez e tem o trabalho como testemunha. Foi esse o ponto nevrálgico da disputa. Colocamos que não troque o certo pelo duvidoso, Edvaldo é o certo”. A entrevista:

Algumas pessoas atribuem as vitórias de Marcelo Déda, Jackson Barreto e, agora, Edvaldo Nogueira ao marketing feito por Cauê. Outras elogiam a poesia de Cauê. Quem é Carlos Cauê?

Eu acho que é um misto disso tudo. A minha trajetória é muito diversa. Eu sou alagoano, de Maceió, fiz química industrial (nível médio) e por essa vertente vim fazer engenharia química na Universidade Federal de Sergipe. Fiz alguns anos, mas aí entrei no PC do B. Fui recrutado em Alagoas pelo partido, em 1982. Aqui o PC do B ainda não existia. Eu, Álvaro Vilela, Edvaldo Nogueira, Tânia Soares, Cecília, Ivânia Pereira, José Araújo, refundamos o PC do B depois. Desde o final de 82, a gente criou o que se chama organismo de base do PC do B aqui. Militamos no movimento estudantil, criei o Centro Acadêmico de Engenharia Química, fui presidente do DCE, mas também, nessa trajetória, percebi que engenharia química não era mais aquilo que estava nos meus planos, e fiz jornalismo, que era uma área mais próxima da política e tinha certa inclinação. Eu gostava de escrever, dessa área de comunicação. Lidava nas entidades nas quais participei, no próprio PC do B fui secretário de administração e propaganda. Então, isso me levou inevitavelmente para o jornalismo. Eu terminei fazendo jornalismo na Unit e conclui lá.

Por que o PC do B e não o PT?

O ideário era muito parecido, mas no meu relacionamento que eu tinha em Maceió, nas relações de amizade, eu era mais ligado ao grupo que se filiou ao PC do B. Além disso, tinha uma visão diferenciada de classe que o PT não tinha. O PT nasceu de uma crítica àquele modelo mais ortodoxo da esquerda internacional e eu me filiava um pouco a essa visão socialista, comunista, da organização mais disciplinada. Ao marxismo.

E o marketing político, como surgiu na sua estrada?

Eu entrei na ideia de marketing político pela política e não pelo marketing.  A primeira campanha que nós fizemos foi em 86, de Edvaldo Nogueira, para deputado estadual, quando Valadares foi candidato a governador. O PC do B apoiou. Eu era presidente do DCE e fizemos assembleia na época e tomou-se uma posição de apoio dos estudantes a candidatura de Valadares. Dois anos depois, foi a campanha de Wellington Paixão. Edvaldo foi candidato a vereador, fizemos a campanha dele, e Paixão em determinado momento da campanha me chamou para eu integrar um pouco da coordenação geral. Fazíamos uma campanha de nossa agência de comunicação e terminei ganhando gosto por isso. Em 90, fizemos a campanha de Jackson, em 92 de Jackson de novo a prefeito. A minha entrada se deu pela política, e depois fiz jornalismo e fui estudando, me especializando, dando conteúdo teórico e científico a atividade.

Hoje, o marketing político é muito dependente das pesquisas. Como vocês faziam antes?

Era feeling e a capilaridade que o partido tinha. Que grau de inserção o partido tinha, movimento de massa, de bairro, operário. De acordo com essa inserção que os partidos tinham você media um pouco as potencialidades deles. De uma certa forma era quase segmentada a campanha, feita para aquele público com os quais esses partidos já tinham familiaridade de trato. Isso inclusive era um diferencial importantíssimo, porque quando se apresentava uma liderança estudantil que queria ser candidato não ele era estranho. As ideias circulavam. Na verdade, a militância era política e a luta eleitoral era uma das lutas dentro dos partidos, sobretudo de esquerda. Mas não era a principal. Depois de certo tempo, os partidos amadureceram e viram que era preciso ocupar o parlamento. Antes, o grande moto era dar consciência as massas organizadas para que elas tomassem consciência do papel que deveriam exercer na sociedade. Muitos setores da classe média, sobretudo intelectuais, muito ligados à Universidade, a outras instituições, que por serem estudiosos, conhecerem mais a fundo os mecanismos científicos que a política lida. O marxismo sempre foi uma grande corrente importante. Dividiu o pensamento mundial fortemente. Ele abriu caminhos e portas.

A confecção de uma campanha eleitoral mudou muito?

Completamente. Até porque, além de os partidos terem mudado muito, o modo como os partidos se organizam mudou muito. Isso é um advento da redemocratização, mas também tivemos uma grande revolução tecnológica na comunicação.  A comunicação era verticalizada, unidirecional, e talvez a maior revolução que tivemos nesses últimos 40 anos foi essa. Uma verdadeira mudança estrutural na forma de fazer comunicação. Isso veio com a telefonia móvel, a convergência das plataformas e a Internet. A Internet vem e rompe absolutamente tudo. Também o ambiente político do país facilitou muito. Uma coisa é fazer campanha na ditadura e outra é fazer depois. Veja a importância das eleições de 89, que abriram um novo cenário de possibilidades profissionais. Muitos estudiosos consideram que começou ali o que seria hoje o marketing político no país na disputa entre Lula e Collor, e aquilo mudou radicalmente. A televisão passou a ter um papel fundamental. Ainda hoje é assim, mas hoje cada vez menos por conta da Internet.

O que ganha uma campanha política?

Vários fatores. Eu nunca menosprezo o aspecto político. O grau de amadurecimento ou de inclinação que uma determinada sociedade tenha com determinado projeto político. Temos visto determinados projetos políticos hegemonizar a sociedade por certo período e depois a própria sociedade se cansa dele e ela vai buscar outro. A sua filiação mesmo que informal a um projeto político conta muito.  Quando você fala de certo político diz que ele está ali e o outro está aqui. Estabelece um lugar no espaço ideológico onde ele está. O aspecto político não pode ser menosprezado, e os aspectos de comunicação que amadureceram muito. Tem também o aspecto que é o legado de construção e de realização que o político fez por aquela comunidade. Quando um político tem um mandato bom, importante, que faz saber a sociedade aquilo que ele está fazendo, assim como um prefeito, deputado, governador, presidente, é meio que inevitável fugir disso. Não é só gratidão, é reconhecimento.  Em 94, Fernando Henrique Cardoso se elegeu presidente. Tinha dúvida em 98? Ele colocou o país em outro patamar. O PSDB, naquele momento, hegemonizou a sociedade brasileira e o grau de entrega que o PSDB fez a sociedade brasileira também é inegável. Uma delas foi a estabilização do mercado. Depois começou a ascender outro tipo. O PT hegemonizou a sociedade. Isso no cosmo mais amplo e no microcosmo também. Você vai ao interior e um prefeito que faz o trabalho certinho é difícil não ganhar. Um vereador atuante, trabalhando, é difícil não ganhar. Mas precisa dar visibilidade a isso. É o ponto que liga a política à comunicação, porque é exatamente aí que a política precisa da comunicação para ser o instrumento de visibilidade a suas realizações, e quando isso se realiza pelo menos de forma razoável, aí não tem jeito.

Existe um marqueteiro milagroso para um produto ruim?

Não acredito nisso. Acho que os produtos precisam ter o mínimo de qualidade para se afirmar nos processos vitoriosos de eleição. Claro que o marketing ajuda muito, mas não acredito em milagres, porque também há um processo que é interessante: o grau de amadurecimento da sociedade em relação às eleições. Uma coisa foram as eleições de 1989.  A primeira depois de muitos anos sem eleições. A nossa sociedade não sabia como se comportar. Naquele momento, o salvador da pátria aparece. Ali, sim, o marketing funcionou muito nesse sentido porque (o ex-presidente Fernando) Collor encarnou o arquétipo de salvador da pátria. Essa mesma sociedade que elegeu dois anos depois botou pra fora. Os processos políticos são intensamente didáticos, o que permite um aprendizado rápido da sociedade. Hoje, um salvador da pátria não aparece do nada dizendo que vai fazer. Se ele não tiver trajetória, realização, o mínimo de raiz que as pessoas possam identificar como verdade, ninguém se engana mais com proposta mirabolante. João Alves apresentou essa esperança, em 2012, porque ele tem relações objetivas com a sociedade. João construiu uma imagem e essa imagem correspondeu muito do que ele foi, de um obreiro, de um homem trabalhador. No momento em que a sociedade aracajuana estava intranquila com um projeto e aparece uma opção dessa, claro que ela migra para ele. Mas, quatro anos depois, essa mesma sociedade disse não, porque ele não conseguiu provar que continuava sendo aquilo que sempre tinha sido. Muitas vezes não são apenas os aspectos do valor de uso daquele político, mas também tem um pouco de com quem ele está. A sociedade também raciocina, sobretudo porque as sociedades não são neutras do ponto de vista da ideologia. Embora o termo  ideologia vem sendo um pouco difícil de usar nos tempos atuais, mas a sociedade entende um pouco das coisas. A sociedade faz essas apurações.

O termo “marketing do mal” o atinge?

Não porque isso é um sofisma, uma tentativa de atribuir a uma possível força exterior a vitória do candidato (adversário) e a derrota sua (de quem usa o termo). A tentativa de encarar as razões reais da derrota que sofreu, e as razões reais está na pouca familiaridade que Valadares Filho tinha com a cidade. O homem é deputado federal a três mandatos, e o que é que tem? Com quem foi? Esse rapaz, há quatro meses, estava com um grupo, depois se juntou com outro com os quais tinha sido adversário, até então, e, no final das contas, teve uma atuação muito mal explicada com o atual prefeito, João Alves. É possível negar que não tenha tido um acordo formal. Agora que todo o DEM migrou para a candidatura de Valadares Filho é inegável. A própria presença de dona Maria naquele fatídico ato com o prefeito de Salvador, ACM Neto, colocou isso de forma muito clara e a sociedade não tolerou isso. Já tinham sérios questionamentos com relação às companhias dele e ali foi a gota d’água. As não realizações dele aqui, uma certa ausência de conteúdo efetivo que se tinha. Valadares se preparou para ser candidato a prefeito do ponto de vista formal. Comunicava-se bem, gesticulava bem, mas não é só isso. O fenômeno que aconteceu nessa eleição, e foi o papel que Valadares Filho buscou, foi de mudança, novidade, um papel idêntico aquele que Marcelo Déda, em 2000, apresentou a sociedade aracajuana. Só que tem uma grande diferença: Valadares Filho não é Marcelo Déda. Déda tinha uma história no movimento estudantil, no PT, nas lutas sociais, no Congresso Nacional como deputado, foi líder da oposição, foi um dos deputados federais mais votados que encheu de orgulho todos nós. Quando esse homem se apresenta, mesmo não tendo nada de concreto, mas com uma história muito forte, quando ele disse que queria mudar, a sociedade foi com ele. Aí onde está a grande diferença do que ter só a capacidade de se comunicar. Até porque temos exemplos de diversos políticos no país a fora que não sabem falar, mas têm a credibilidade que desperta confiança. A sociedade ficou no dilema: escolher a opção que dizia que era nova ou a que já fez e tem o trabalho como testemunha. Foi esse o ponto nevrálgico da disputa. Colocamos que não troque o certo pelo duvidoso, Edvaldo é o certo. No momento que o país está vivendo essa conturbação toda, que os projetos nacionais estão se dissolvendo, a sociedade está vivendo um momento de instabilidade. O que fazemos? Chame a estabilidade. Foi pautado no seu mandato e na própria trajetória dele. Edvaldo foi presidente do DCE, fez movimento estudantil, foi presidente de um partido com larga atuação, sem mancha. Além do fato de ter realizado uma grande gestão, com grandes obras e ter trazido benefícios concretos para sociedade que reconhece, além de tudo tem essa trajetória.

Então não houve o tão falado “marketing do mal”?

Não foram poucos os ataques que a candidatura de Valadares Filho desferiu contra Edvaldo. Valadares Filho, com a própria boca dele, inclusive me surpreendeu, chegou a questionar o apartamento que Edvaldo mora. E todo mundo sabe que aquele apartamento é da esposa dele, que ele casou com uma mulher que já tinha aquele apartamento. Chegou a dizer que Edvaldo não terminou o curso de medicina, tentou passar para a sociedade que Edvaldo era um derrotado. Quando se fala em “marketing do mal” as pessoas esquecem essas nuances. Talvez o “marketing do mal” tenha sido do lado de lá, e nós não podemos nos esquecer, por exemplo, que no final da campanha escalou- se um procurador do Tribunal de Contas para tentar criar um factóide. De impedir um ator de fazer um personagem na televisão, o personagem Zoraide. Tentou-se comprar um estudante que fez um depoimento para Edvaldo. Onde está o “marketing do mal”? Nossa tecla foi dizer que Valadares não tinha realização em Aracaju, e não tem. Condenar a ligação dele com pessoas de trajetórias duvidosas na sociedade, que é verdade e ele não pode negar. Terceiro, a quase invasão que a candidatura dele sofreu do DEM, caracterizando, ele quer queira quer não, como o candidato de João, porque João não votaria em Edvaldo. Fatos subsequentes a isso dão conta que havia pelo menos um diálogo. E aquela avalanche de nomeações? É preciso olhar os fatos com acuidade para não se iludir. Quando tenta se falar de “marketing do mal”, na verdade, se tenta criar uma desculpa e não encarar as razões da derrota. Tem um aspecto político que a sociedade aracajuana fez com Valadares Filho: ela olhou e disse que não ia com ele. É claro que tem a inexperiência dele e tem também a opção política que ele fez.

Recentemente, o comunicador David Leite escreveu um artigo e concedeu entrevistas sobre as eleições em Sergipe e o marketing político. Como avalia o juízo dele?

Quando uma oposição precisa que David Leite faça um chamamento de opositores unidos, eu acho que tem alguma coisa muito errada. Causou-me melancolia. Se a oposição precisa disso está pior do que eu pensava. Essa história de criar uma unidade de comunicação contra é uma tolice que, infelizmente, David não consegue perceber. A questão é política. Os políticos têm que cuidar da política. A comunicação é uma consequência disso. A comunicação não define a política. A política define a comunicação. O problema não é de comunicação, mas essencialmente político. A discussão política, o debate político que vai se estabelecer em torno do futuro do estado de Sergipe, que vai envolver o julgamento do governo de Jackson, as opções que se apresentarem do lado de lá e do lado de cá. Vai ser um debate político. A comunicação vai ser a ferramenta para dar visibilidade a isso, mas não vai comandar. O David Leite chegou a me caracterizar nessa linha de “marketing do mal” dizendo que eu faço campanha espalhando um boato numa campanha. É espalhando boato que se ganha uma campanha? Eu só não entendi isso com essa ingenuidade comovente porque tem uma imbecilidade por trás disso. Isso é uma tentativa de contrabandidar uma discussão séria. O quadro de 2018 é difícil fazer um diagnóstico porque é tanta água que vai passar debaixo dessa ponte… Está cedo para entender. Não tem uma grande liderança em ascensão ainda que possa galvanizar o coração e as mentes dos sergipanos. O governo de Jackson ainda tem dois anos – e em dois anos se muda muita coisa. Jackson reverteu o quadro em um ano. Assumiu o governo em maio e no outro ano foi candidato e ganhou as eleições quando ninguém acreditava que ele ganharia. Foi por conta de boato ou “marketing do mal”? Quem quiser continuar se enganando com essas tolices fique se enganando, mas se quiser fazer política séria é outra coisa.

Concorda ser preciso trocar algumas peças no governo de Jackson Barreto?

Todo governo precisa disso e, agora, eu acho que é o momento de cumprir esse ciclo. Com essa eleição em 2016, decorridos dois anos de governo é necessário. Todo governo precisa disso. É preciso reorientar um pouco o governo para certas pautas. É preciso focar o governo em certas questões. Claro que tudo isso está moldurado por uma crise sem precedentes. Nenhum dos nossos tempos mais recentes passou por uma crise desta. O país está num processo de insolvência e não só econômica, mas moral. Veja essa quebra de braço hedionda entre o STF e o Senado. No nosso país saiu uma presidente e entrou outro, mudou de mão o país e isso não é uma coisa simples, e mudou não por uma consulta popular, mas por um mecanismo institucional que cheira muito a golpe. O presidente da Câmara é réu por corrupção, o do Senado é réu. Isso causa dificuldades no discernimento da sociedade para algumas coisas. Deixe as coisas aclamarem um pouco mais para poder ter-se algum vislumbre de saída. Claro que a oposição tem que fazer seu trabalho, mas tem que ter paciência.

A imagem do governo Jackson Barreto reflete a realidade da sua gestão?

Acho que não. Acho que é premido, sobretudo, pelo aspecto de atraso de salário, que é uma coisa fundamental, isso termina funcionando como uma barreira opaca que impede que a sociedade veja as grandes realizações do governo. Esse é um governo que trabalha, que tem muitas obras. No interior do estado você vê isso, mas num estado pequeno como Sergipe o número de famílias que depende do Estado como sendo sua fonte principal ou única de sobrevivência é muito grande. O governo tem uma capilaridade muito grande de servidores e quando se atrasa salários é muito ruim e eu sei das angustias do governador em relação a isso. Se há uma coisa que fere a alma de Jackson é ele ser obrigado a atrasar salário. Eu conheço a alma de Jackson e sei da angustia que ela vive por estar passando por essa situação, mas é um governo que tem realizações. Tem muita coisa boa acontecendo no estado e, infelizmente, tudo isso fica sendo ofuscado por isso. Espero e acredito que o governo vai encontrar saídas.

É como se a casa por dentro estivesse perfeita, mas a fachada não facilitasse a venda?

Um dos desafios é entrar, conhecer a casa. Acho que o corretor precisa vender melhor a casa também e fazer uma discussão séria e franca com a sociedade sobre as razões que estão ocasionando essas coisas porque fica muito falatório, a oposição diz apenas como se fosse vontade própria do governador, até porque Sergipe não é o único estado que está acontecendo isso. Há vários outros estados que já entraram nessa situação há muito mais tempo e nosso estado demorou mais. Tem razões que não se filiam ao governo de Jackson. Ele herdou coisas que vieram de governos passados, e Jackson foi vítima de um processo de erosão que vinha acontecendo nas finanças públicas.

Ajuda mais o governo o jornalista que faz a crítica que precisa ser feita ou quem fecha os olhos?

Uma atitude crítica da imprensa é fundamental, até para alertar o governante, seja ele quem for. O problema é que, muitas vezes, os setores da imprensa confundem esse papel com um papel nocivo, que é defender os seus interesses ou de grupos aos quais se filiam. A gente viu também nessa eleição de prefeito alguns jornalistas, infelizmente, mancharem sua biografia fazendo papéis como esse. A eleição revela quem é quem, embora daqui a dois anos isso tudo pode estar completamente mudado. Em algum momento na campanha, alguém fazendo a campanha de Valadares disse que sabia como Cauê trabalha. Parece que não sabia bem.

Um termo comum, nas últimas campanhas, foi desconstruir. Você acha que a desconstrução que foi feita do senador Eduardo Amorim, na campanha de 2014, a sociedade vai esquecer, em 2018?

Eu acho que sempre fica uma coisa de uma eleição para outra. O tempo posterior a cada eleição é que dá luz se aquilo é certo ou errado. Eleição é um momento muito intenso de debate na sociedade e que suscita muita paixão, muita atitude passional. Mas aí passa a eleição e vem o tempo posterior, que é o tempo que vai dizer o que é verdade e o que não é. Quantas vezes um político sai de uma eleição acabado e depois, anos depois se ergue e ganha outra eleição? Em 1990, Marcelo Déda perdeu a eleição para deputado estadual. Ele tinha sido o deputado mais votado na eleição anterior e perdeu. E logo depois teve uma trajetória vitoriosa. Déda tem quatro eleições ganhas no primeiro turno. Duas para prefeito e duas para governador. Um rapaz que se tivesse vivo estaria hoje com 56 anos. Isso é um fenômeno. As eleições por serem um momento muito intenso, às vezes, a gente fica pensando que elas perpetuam muita coisa, mas sempre vem o tempo posterior que vai dizer se sim ou não. Muitas vezes depende de como as outras pessoas se comportam. Em 2012, Edvaldo saiu do governo, o candidato dele era Valadares Filho e perdeu para João Alves. Em 2014, Edvaldo foi candidato e perdeu. Todo mundo achava que Edvaldo estava morto, tanto é que enfrentou muita dificuldade para ser o candidato do bloco. A sociedade fez uma reflexão em segundo turno. Faz 20 anos que Aracaju não sabe o que é uma eleição em segundo turno e, portanto, não tinha mais vivencia do que era. Essa eleição teve singularidades muito importantes. A nossa sociedade não sabia sequer como era que se comportava. Outro aspecto é a atitude de Jackson Barreto. Ele entendeu o momento de dificuldade que o governo passava, não procurou ser estrela de nada, ficou fazendo o trabalho que deveria fazer, criou as condições para melhorar as atitudes do governo e, no tempo certo, saiu quando a vitória de Edvaldo já estava amadurecendo. Saiu e foi uma coisa importantíssima porque ajudou. O marketing foi um fator importantíssimo nessa eleição capaz de dar visibilidade a Edvaldo, enfrentar o debate onde ele se estabelecesse, capaz de desmascarar muitas mentiras que foram levantadas contra a candidatura de Edvaldo. A candidatura de Edvaldo trazia em si a principal contradição da nação brasileira, que era o antagonismo das forças porque ele reunia o PMDB e o PT. A candidatura dele ainda tinha essa dificuldade de como lidar nesse campo minado sem deixar que as questões nacionais domassem aqui. E o candidato adversário fazendo campanha diuturnamente dizendo que ele era o candidato do PT, da corrupção, já tinham nomeado Rogério Carvalho secretário de Saúde. Olhe o “marketing do mal” onde está. Mostravam Edvaldo junto com Dirceu, Palocci, e tivemos que enfrentar esse debate com tranquilidade, mostrando que o PT estava ali com Eliane, mas representava outra vertente do PT. O PT de Déda, de Eduardo Dutra, Eliane em si é uma mulher correta, guerreira, valorosa e lidamos com essas contradições. Não procuramos esconder isso e fomos para o debate com a sociedade da forma que devemos ir, com tranquilidade, criatividade, sagacidade, astúcia… Outro aspecto singular nessas eleições são as redes sociais. Tivemos três meses de pré-campanha. Edvaldo tinha jingle, slogan, marca, posicionamento. Combatia João todo dia e isso foi inclusive o fator de consolidação do seu nome a candidato do seu bloco. As redes sociais têm um aspecto que é lamentável porque como elas permitem o anonimato muita vezes ela inevitavelmente trás para baixaria, para desconstrução malévola e nós sofremos isso. Quantas vezes recebemos sms de vídeos que não se sabe da onde colocando bombas na campanha de Edvaldo? O próprio personagem Marizete. Quando Zoraide entrou não deixou nenhum vestígio de Marizete no ar. Marizete era um personagem construído para ferir suscetibilidades. Dizer que Edvaldo não ajuda tira voto de quem? Isso, no máximo, fere suscetibilidades de pessoas que estão ao redor do governador e acham que ele está sendo machucado. Ele ria pra caramba. Zoraide fazia discussão política na linguagem do povo. Questionava com quem o candidato estava, questionava o candidato em si. Era um personagem dentro do posicionamento da campanha. A utilização do humor precisa ser muito bem calibrada, construída e equilibrada porque se não cai numa coisa sem graça que acaba com você. O humor é um fenômeno fortíssimo, se bem utilizado. É como a emoção. Tem coisa mais frustrante quando você percebe que alguém está tentando emocionar você deliberadamente para uma causa? Ou quando aquele humor não lhe faz graça ou quando a tentativa de humor não agrada você?

Quando algumas pessoas falam que o grande marqueteiro, na verdade, é Jackson Barreto, como você avalia?

Eu e Jackson temos espaço suficiente para isso. Jackson é um homem extremamente sensível ao marketing. A capacidade de entender como ele pode se colocar, o que pode dizer, fazer e a projeção do que isso pode ocasionar. Eu aprendi muito com ele. Jackson foi umas das pessoas mais importantes para eu investir no marketing político porque ele deu chance.

Carlos Cauê é um nome, hoje, consagrado no marketing político. Quem mais você citaria do mercado sergipano?

Eu acho que tem gente que pode aparecer. Eu reconheço que tenho muita experiência porque já fiz muita campanha. Talvez não tenha alguém aqui que tenha feito tanta campanha quanto eu, mas tem muita gente talentosa. Aliás, quero dizer que a equipe que nós montamos é uma equipe muito boa. O sucesso da campanha não se deve só a mim, se deve a um conjunto de pessoas na área da criação, da web, do jornalismo, nas áreas técnicas que vestiram a camisa e fizemos uma bela campanha. Tem campanhas que você percebe que a política determinou mais e outras que o marketing determinou mais. Claro que todos esses elementos participando, só que muitas vezes um com a proporção maior do que o outro e vai equilibrando. Essa campanha foi muito boa, de nível nacional.

E a poesia?

Eu sempre lidei muito com literatura. Sempre gostei de escrever poema, crônica, conto. É uma coisa que me acompanha durante muito tempo. Eu até nem dedico o tempo que deveria dedicar a isso porque as atribulações da vida me impedem disso. De certa forma é uma negligencia que eu faço com a literatura. A literatura é minha principal fonte de inspiração na vida. Grande parte do que sou é das minhas leituras que fiz na juventude e das que faço até hoje. Hoje troquei parte da leitura por leituras científicas de trabalho, mas muita coisa que eu aprendi na vida foi com a literatura. Entender um pouco do que é a alma humana. Isso pra mim é fundamental.

O poeta Ferreira Goulart, falecido recentemente, dizia que a poesia não pode ser feita de forma forçada. Há sempre algo que a motiva. É por aí?

Ferreira Goulart é um poeta fundamental, não só pela poesia, mas como pela sua atitude na vida, pela sua militância na causa da literatura, por ser um homem progressista, com o pensamento avançado. Realmente é uma perda muito grande. A criação não é um toque divino que bate na sua cabeça. A criação é um processo de elaboração cognitiva que você vai fazendo. É a reunião do seu repertório e uma síntese que ele produz a partir daquilo que você tem, da sua observação, vivência, sensibilidade, do que sentiu,viu, intuiu muitas vezes.

O que mais faltou Cauê dizer a Sergipe?

Eu acho que esse processo eleitoral guarda ensinamentos muito importantes.  Se mantivermos as alterações que a legislação fez, que modificou o formato das eleições, o jeito de fazer campanha, vai ser preciso que os políticos e os marqueteiros aprendam a lidar com essa forma de fazer campanha, que é uma forma que trás novidades, sobretudo lidar com as redes sociais. Infelizmente, as redes estimulam, provocam, incitam que a eleição caminhe para essa guerra mais difícil, da baixaria. É preciso que a gente entenda as redes sociais e use de forma mais propositiva, interessante para que se utilize um instrumento tão importante como é a Internet para fins melhores do que esse aí. Durante as eleições, eu tenho a impressão que arrancamos a vitória das mãos de Valadares Filho e tenho certeza que foi o marketing que ajudou a fazer isso. A saída de Jackson, na última semana, coroou isso, robusteceu isso, tanto é que tinha um termômetro interno nosso que era o senador Valadares. Quando ele ia para Twitter, a gente via que não estava muito bem do lado de lá porque o grau de ódio, de agressão que o senador expressou nessa eleição, inclusive com Edvaldo que foi uma pessoa que tratou Valadares sempre muito bem, e foi o principal articulador da campanha de Valadares Filho, na eleição passada. O grau de odiosidade que Valadares destilou sobre Edvaldo e até sobre mim, que sou uma pessoa completamente fora desse eixo, é inexplicável.

Modificado em 11/12/2016 09:42

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