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Os custos da reprovação escolar em Sergipe

Por Josué Modesto dos Passos Subrinho

Ao aceitarmos como uma fatalidade os elevadíssimos índices de reprovação escolar vigentes em nossas redes públicas nos eximimos de mensurar duas ordens de custos: a primeira, a dos custos econômicos, e a segunda, talvez de mais difícil mensuração, a precoce destruição de sonhos, de expectativas de sucesso, de coparticipação na construção do bem comum, de vedação dos caminhos da busca da realização pessoal.

Comecemos pela apresentação dos números da reprovação em nossas redes públicas e da estimativa de seus custos econômicos.

Comecemos a examinar a matrícula registrada no Censo Escolar de 2018, na rede de escolas estaduais de Sergipe. O leitor poderá notar como ela cresce fortemente com o passar dos anos escolares. De fato, passamos de uma matrícula de 3.714 alunos no primeiro ano para uma matrícula de 6.611 no quinto ano. Podemos assegurar que o principal fator a explicar esse imenso inchaço da matrícula é a elevada e sistemática reprovação de nossos estudantes. Outros fatores, a exemplo da transferência de matrículas de outras redes, têm um papel secundário. Para estimar qual deveria ser o número da matrícula nos anos do Ensino Fundamental, utilizamos um fator de reprovação de 3%, ou dito de outra forma, uma taxa de aprovação de 97%, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e desconsideramos a transferência para outras redes. Esta é a taxa obtida pelo Estado do Ceará, conhecido por ter êxito em políticas educacionais, especialmente para essa etapa da Educação Básica. Se tivéssemos a mesma taxa de sucesso que os cearenses alcançaram, a matrícula em nossas escolas estaduais deveria ser de 4.020 estudantes, no quinto ano, e não de 6.611. Mais grave ainda: o total da matrícula nos anos iniciais do Ensino Fundamental deveria ser 19.557 e não 27.411. Estas 7.854 matrículas geradas pelo cruel sistema de reprovação incrementam os custos financeiros para o Estado. Aproximadamente 392 turmas foram criadas e um número equivalente de professoras contratadas para atender a esse adicional, e mais técnicos e pessoal de apoio são necessários.

Uma forma simples de estimar o custo dessa matrícula adicional é partir dos recursos que são atribuídos por estudante nessa etapa. A Portaria Interministerial nº 07, de 23 de dezembro de 2018, fixou os valores per capta do FUNDEB a serem aplicados no ano seguinte. Por simplificação, vamos considerar o valor estimado para o aluno dos anos iniciais do Ensino Fundamental urbano, fixado em R$3.838,33 e de R$4.222,16 para os anos finais do Ensino Fundamental urbano. Um cálculo apenas com a pretensão de estimar a ordem dos valores nos leva a R$ 30.000.000,00 gastos pelo Estado com essas matrículas excedentes.

As redes municipais têm uma quantidade de matrícula no Ensino Fundamental mais expressiva que a Rede Estadual. Vejamos o comportamento da matrícula em nossas escolas municipais, no ano de 2018. Aplicando o mesmo critério utilizado para projetar a matrícula na Rede Estadual, chegamos, no caso dos municípios, a uma matrícula total de 99.445 alunos, quando o total registrado foi de 111.682 alunos. Ou seja, houve um excesso de 12.237 matrículas, gerando a necessidade adicional de 612 turmas e, consequentemente, um custo adicional da ordem de R$ 47.000.000,00 para os nossos municípios.

Vejamos o comportamento da matrícula nos anos finais do Ensino Fundamental: para projetar a matrícula nas respectivas redes, modificamos em relação aos anos iniciais apenas a taxa de reprovação, agora estipulada em 8%, novamente o índice obtido no Estado do Ceará para essa etapa.

Na Rede Estadual, a transição do quinto para o sexto ano, que marca o início dos anos finais do Ensino Fundamental, dá-se com uma drástica mudança pedagógica; isto é, a substituição da professora polivalente – que rege uma classe – pela(o)s professora(e)s dedicado(a)s a disciplinas específicas – que compartilham a mesma classe. Adicionalmente, a transição etária que os estudantes estão experimentando reforça a tendência de reprovação que já perpassava os anos iniciais. Um novo indicador, esboçado na passagem do quarto para o quinto ano consolida-se: a redução do número absoluto de matriculados. Ou seja, a resiliência dos jovens estudantes é superada ou as famílias perdem a autoridade sobre eles em conduzi-los à escola. O fato é que vão abandonando nossas escolas, conforme atestado pelos frios números declinantes de matrícula. Mesmo assim, não se esgota a matrícula excedente, visto que são computadas 44.460 nos anos finais do Ensino Fundamental, quando a matrícula projetada para esta etapa seria de apenas 19.563; ou seja, um excesso de 24.897 alunos. Considerando uma turma média de 25 alunos para essa fase da Educação Básica, o Estado teve que contratar mais 996 professores e acrescer, de forma proporcional, o número de técnicos e profissionais. O custo total pode ser estimado em R$ 105.000.000,00.

Quanto às redes municipais, estas apresentam com maior intensidade o comportamento acima descrito referente à Rede Estadual. Na transição do quarto para o quinto ano há, pela primeira vez uma, redução na matrícula total. Essa nova tendência se consolida após o intenso crescimento da matrícula no sexto ano. A partir de então, haverá uma sucessiva redução de matrícula, chegando no oitavo ano a ficar abaixo da matrícula projetada e assim permanecendo no nono ano, quando se encerra o Ensino Fundamental. O resultado, surpreendente, dado o histórico de inchaço da matrícula, é um déficit de matrículas registradas (115.942) em relação à projeção (122.160). Ou dito de outra forma, se nossos municípios estivessem atendendo a todos os estudantes que se dirigiram às suas escolas e tivessem uma taxa de aprovação comparável à obtida no Estado do Ceará, precisariam criar mais 6.218 vagas. Supondo-se uma turma média de 25 alunos, seria necessário contratar mais 249 professores e um número proporcional de outros profissionais. Neste caso, os municípios teriam de dispor de recursos adicionais da ordem de R$26.000.000,00 para criar turmas suficientes para abrigar os jovens que se encontram fora da escola.

Esses dados são compatíveis com estudos do Instituto Bem Comum, que estimou que, em 2017, 95,7% da população sergipana havia concluído o quinto ano do Ensino Fundamental, enquanto, no mesmo ano, apenas 79,8% havia concluído o nono ano da referida modalidade de ensino, atestando o crescente abandono escolar com o transcorrer dos anos de escolarização.

Concluindo, podemos afirmar que a complacência com que temos assistido à prática generalizada de reprovação massiva de nossos estudantes aumenta significativamente os custos educacionais e sociais. Do ponto de vista das redes municipais e estadual de Educação, o custo adicional de manutenção de matrículas inchadas pela reprovação pode ser estimado, de forma muito conservadora, visto que levou em conta apenas a remuneração do FUNDEB pelas matrículas adicionais, quando comparada com uma taxa de aprovação factível em redes públicas de ensino na realidade socioeconômica nordestina, em R$ 156.000.000,00, em 2018, já deduzidos os R$ 26.000.000,00 que os municípios teriam de desembolsar para criar as vagas necessárias ao atendimento de todos os jovens que deveriam estar matriculados, mas que abandonaram a escola. Este dispêndio excessivo dificulta o atendimento dos requerimentos de uma educação de qualidade.

O outro custo, social, humano, do abandono escolar é de mais difícil mensuração. Trata-se, ao fim e ao cabo, de extirpar o caráter nivelador de oportunidades que a escola pública precisa necessariamente ter. O desalente, resignação quanto às possibilidades concretas de realização de sonhos, leva nossos jovens a abandonar a escola e a se arriscar em atividades extremamente perigosas. Retornaremos e desdobraremos esses pontos em outro artigo no qual abordaremos a matrícula no Ensino Médio.

Por Josué Modesto dos Passos Subrinho é secretário de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura (Seduc) e ex-reitor da Universidade Federal de Sergipe

Modificado em 26/08/2020 20:10

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