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Bolsonaro e o pronunciamento que precisa de álcool gel

Por Joedson Telles

Faltam adjetivos para definir de forma negativa com precisão o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, em rede nacional de TV. Demonstrando não ter conhecimento da importância do cargo que ocupa, o presidente foi de encontro a determinações de autoridades de saúde no mundo todo, inclusive do seu próprio governo, na guerra população x coronavírus.

Quem assistiu ao pronunciamento – ou leu o texto depois – e tem o mínimo de lucidez, por certo, está indignado e preocupado com o comando do país entregue nas mãos de um político que, no momento mais difícil do seu governo, não mostra preparo para lidar com um inimigo público que vem agindo de forma letal – e ainda o subestima.

Os verbos do presidente, definitivamente, não têm coerência com, até o momento que este texto foi publicado, as 47 mortes e os quase de 2,5 mil casos de coronavírus registrados no país. Próximo de 20 mil óbitos no mundo. Enquanto especialistas pregam o isolamento social, o chamado ficar em casa, para que pessoas infectadas não transmitam o vírus, o presidente opta pela contramão.

“Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércios e o confinamento em massa. O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade. 90% de nós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine”, diz, óbvio, sem nenhuma base científica e sem amparo na realidade.

Nota-se que, por despreparo ou propositalmente, o presidente agride os fatos. Primeiro que não são “algumas poucas autoridades” que pregam e até assinaram decretos objetivando diminuir consideravelmente o número de pessoas nas ruas. Proibindo aglomerações. As notícias mostram que praticamente todos os governadores e prefeitos defendem o isolamento social.

É grave também que, enquanto lamentamos tantas mortes no Brasil, e as projeções das autoridades de saúde apontem para mais óbitos, o presidente não veja “conceito de terra arrasada”. Falta-lhe, entre outras coisas inerentes a quem ocupa o principal cargo político do Brasil, usar da empatia com as pessoas. Como dizer a parentes e amigos dos 47 mortos (até agora) ou a quem está sofrendo numa UTI que a terra não está arrasada? Como não respeitar a dor?

Quando o presidente fala que o grupo de risco é o das pessoas acima de 60 anos, e questiona as escolas fechadas, peca mais duas vezes. Primeiro que todos corremos riscos. É fato que uns mais e outros menos, mas todos nós podemos ser infectados e, claro, transmitir. Aliás, só o presidente não entendeu ainda que, mesmo que a maioria dos jovens escape das complicações, pode transmitir o vírus para o pai, a mãe, o avô, a avó…

Bolsonaro se supera na infelicidade do pronunciamento quando declara que “90% de nós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine”. Ainda que isso fosse verdade, quer dizer então que os 10% não tem importância? Devemos “abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércios e o confinamento em massa…” porque 90% estão livre do mal, segundo o presidente?

E os 10%? Não são vidas importantes também? Idosos, diabéticos, hipertensos nada? Não tem problema se aumentar as estatísticas dos óbitos? É isso? O presidente não usou tais palavras, mas, evidentemente, seu pronunciamento permite a interpretação. E um presidente tem a obrigação de ser claro. Objetivo. Não deixar margem para dúvidas tenebrosas na população – sobretudo num país onde pensar continua sendo artigo de luxo.

No pronunciamento que precisa do uso do álcool gel, o presidente deixa evidente querer que empresários e comerciantes, com o aval de governadores e prefeitos, resolvam os problemas econômicos, gerando receitas e impostos, mesmo que coloquem em xeque a saúde e até a vida dos seus funcionários.

O presidente não é simpático a ideia de o trabalhador ficar em casa, até que especialistas em saúde não vejam mais riscos e, neste período de portas fechadas, o governo resolva o problema da folha de pagamento das empresas, que, assim como o trabalhador, não podem ser abandonadas à própria sorte. Ajudar o trabalhador, as empresas e o país como um todo, às vezes, não ajuda o governo. Mas cabe a um presidente da República discernir que nenhum governo pode ter mais importância que a vida das pessoas.

 

Modificado em 25/03/2020 10:38

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