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Teoria dos caranguejos sergipanos

Por Sérgio Menezes Lucas

Mesmo as mais populares das anedotas têm origem remota. Comecemos, pois, por uma antiga e conhecida estória lusitana:

“Havia um homem numa praia que vendia os caranguejos que pescava. À medida que os ia apanhando, colocava-os dentro de um balde sem tampa. Ora isso causava algum mistério a muitos que passavam e viam o balde aberto. Interrogavam-se porque é que o pescador não o fechava para evitar possíveis fugas dos caranguejos que tentavam escapar.

Certo dia, uma dessas pessoas aproximou-se do pescador e perguntou:
– Olá amigo! Estou curioso… não tem medo que os caranguejos fujam do balde sem tampa?
– Claro que não, chefe! – respondeu ele – Não vê que são caranguejos…?! Quando um começa a subir, os outros tratam logo de o puxar para baixo!”.

Eis que, em Plagas de Serigy, a historinha ganhou cunho motivacional e, em livre adaptação desse que vos escreve, nos compara aos irmãos da fronteira sul:

Havia, em Mangue Seco, Povoado na linha divisória estre os estados de Bahia e Sergipe, um pescador que vendia caranguejos. Tinha dois baldes cheios dos crustáceos: um estava descoberto e o outro estava tapado. Um cliente perguntou-lhe:
– “Por que razão tapou apenas um dos baldes?”.
Ao que o vendedor respondeu:
– “Porque vendo dois tipos de caranguejos: – baianos e sergipanos. O caranguejo baiano tenta sempre sair do balde, mas quando não o consegue, os demais fazem uma escadinha, apoiando-se uns nos outros e assim todos conseguem fugir, por isso esse balde é tampado. Os caranguejos sergipanos também almejam sair, mas sempre que um deles tenta saltar, os outros agarram-no e puxam para baixo, e assim, nenhum escapa.

Recentemente, ouvia uma entrevista do coerente ex-parlamentar Joao Fontes, em um dos programas de rádio matutinos, (creio que o apresentador era George Magalhães). O ilustre entrevistado citou outra versão da anedota, atribuindo o uso constante dessa ao saudoso governador Augusto Franco.

Encafifado, fiquei a matutar o quanto de verdade desta parábola pode ser aplicada ao mercado fonográfico de Sergipe D’el Rey. Afinal, o nosso petisco mais conhecido é, justamente, o caranguejo. Para piorar, raramente usamos baldes. Os caranguejos são previamente amarrados uns aos outros em cordas de pindoba. Parece que incorporamos o “espírito da coisa” em nosso desfavor. Senão vejamos:

Temos diversos talentos vocais. Temos virtuoses em vários instrumentos musicais. Temos músicos profissionais abnegados. Temos inspirados compositores. Enfim, artistas que não ficam a dever aos músicos de qualquer lugar do país. Mas, sempre me pergunto, sabendo que serei alvo de críticas: Qual o nosso grande e perene sucesso nacional? Veja bem, não estou falando de meteoros e seu brilho fugaz nem de sucessos do passado que apenas os pesquisadores sabem citar. A pergunta que compartilho é: Quais os artistas da música que são referenciados, atemporalmente, em qualquer lugar do Brasil, quando nos identificamos como sergipanos?

Manterei o olhar apenas na Região Nordeste, para não nos dispersarmos:
Se olharmos para o lado de cima do mapa de Sergipe poderemos fazer algumas citações não exaustivas: Djavan e Mestre Zinho, em Alagoas; Luiz Gonzaga, Alceu Valença e Chico Science, em Pernambuco; Chico César, Elba e Zé Ramalho, na Paraíba, Frank Aguiar, no Piauí; Zeca Baleiro, no Maranhão, Dorgival Dantas e Roberta Sá, no Rio Grande do Norte, Fagner e Belchior, no Ceará…

Voltemos, agora, os olhos para a Bahia de todos os santos, encantos e axés: São tantos os nomes pós Caetano, Gil, Gal e Bethânia, Ivetes, Cláudias e Chicletes, que seria necessário um livro, um trabalho de fôlego, para abranger a profusão de destaques nacionais daquele rico repositório do cancioneiro.

Ainda assim, esse não seria o enfoque. O que mais nos chama a atenção e causa inveja benigna confessa é o fato de que, no estado vizinho, qualquer indivíduo que bata em uma lata, toque uma sirene, invente uma coreografia engraçada ou sensual, crie refrãos chicletes ou grite um pouco acima da média é idolatrado pelo seu povo, toca nas Rádios, aparece na TV. E, enfim, repercute nacionalmente.

Ao contrário, nos limites entre o Rio Real e o Rio São Francisco parece que temos âncoras para prender qualquer tentativa de singrar mares, ou temos cordas para apear qualquer ascensão. Pronunciamos desculpas prontas como invejosos caranguejos puxando para a vala rasteira a todos: Aposto que apareceu no Rádio, Jornal ou na TV porque é amigo do apresentador, redator ou editor! Deu sorte! Menina, pode ter certeza que essa entrevista foi paga! “Hômi”, ouvi dizer que está pagando jabá! …

Registro, por oportuno e por dever de justiça, que entre os próprios artistas sergipanos há um clima de solidariedade e de generosidade que difere de outros mercados. Músicos e compositores autorizam a gravação de suas obras, fazem participações especiais, dão dicas e colaborações…

No entanto, quando o quesito é participação do público, o que observamos é que os discos são adquiridos apenas por amigos, parentes e alguns poucos apaixonados pela cultura local. Isso quando não imaginam que discos são feitos para distribuição gratuita. De igual forma, esse é o público que comparece aos shows. Sempre avistamos os mesmos rostos conhecidos e um ou outro anônimo satelitário.

Sergipe, certamente, é o único lugar do Brasil onde o seu povo pergunta qual a Banda ou atração que virá de fora para abrilhantar a festa. Foi assim, por exemplo, o que aconteceu no réveillon de 2015. Pulularam críticas à ausência de “uma grande atração nacional”. Duvideodó que algo do gênero ocorresse na Bahia! Só aqui, infelizmente, para nossa decepção, reflexão e vergonha.

O bairrismo baiano é exacerbado ou a nossa sergipanidade é, salvo raríssimas e honrosas exceções, da boca pra fora?

Mais perguntas com o afã declarado de incomodar:

1) Qual a última vez que você comprou o disco de um artista sergipano?
2) Qual o último show pago de um cantor ou Banda sergipana que você foi assistir?
3) Quais as letras de músicas sergipanas que você sabe integralmente?
4) Qual o vídeo de um artista local que você compartilhou no seu WhatsApp ou em sua rede social?

Lamentavelmente, é bem provável que você tenha respondido negativamente a todas as perguntas. Isso é, deveras, preocupante. Você faz parte do público formador de opinião e, convenhamos, o resultado da enquete não é alvissareiro para a nossa música.

O que fazer? Não existem fórmulas prontas, embora algumas medidas sejam imprescindíveis: 1 – Insistir em festas com participação majoritária de músicos sergipanos; 2 – Ter uma grade mínima de produção musical local nos programas de rádio; 3 – Remunerar o artista local dignamente; 4 – Pagar o músico sergipano antes mesmo de subir ao palco, a exemplo do que fazem com os visitantes; 5 – Prestigiar as empresas que patrocinam a produção musical nativa. 6 – Abandonar a eterna espera de que o músico seja, primeiramente, reconhecido em outros mercados; 7 – Tocar nos colégios, nos intervalos das aulas, a música sergipana; 8 – Tocar em nossos supermercados a nossa música; 9 – Frequentar e indicar bares e restaurantes que toquem músicas sergipanas; 10 – Assistir e indicar programas de TV que deem espaço para a música local; 11 – Tratar o músico como profissional; e não como pedinte.

Todas as iniciativas, no entanto, são insuficientes se cada sergipano continuar a deixar de fazer a sua parte; se não abandonarmos o nosso “complexo de vira-latas”; se não revertermos as respostas negativas às perguntas da enquete acima.

Enfim, cabe a você e a mim sermos os protagonistas da valorização da nossa identidade musical.

* Sérgio Menezes Lucas é juiz de Direito, Compositor e Escritor Sergipano.

Fonte: Revista Sergipe News

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