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Palavras, sangue e democracia

Por Paulo Márcio

O ataque a Jair Bolsonaro (PSL) configura um atentado à própria democracia, em especial ao processo sucessório em curso, agravado, neste particular, por dois fatores: primeiro, a consolidação da sua candidatura antes mesmo da oficialização das demais; segundo, sua identificação com expressiva parcela do eleitorado brasileiro que, consagradamente conservadora, há muito não se sente representada pelos partidos que integram o bloco de centro-direita.

É imperioso, porém, nesse momento tão delicado da campanha eleitoral, nos fazermos a seguinte pergunta: o episódio ocorrido em Juiz de Fora (MG), às vésperas da comemoração do Dia da Independência, foi, como denunciam os apoiadores do “Mito”, obra de alguma célula de esquerda ligada ao ex-presidente Lula ou uma ação isolada de um extremista que enxerga em Bolsonaro o germe de um mal a ser debelado antes que contamine toda a nação?

Por mais óbvia que seja a resposta, prevalecerão, como em outros casos, as versões conspiratórias que teimam em vir à tona em momentos de tamanha conturbação. Quanto mais obscurantismo nessas horas, tanto melhor para aqueles que se dedicam a explorar a credulidade do povo e a incentivar o divisionismo e o radicalismo que nos empurram para a ingovernabilidade.

Não obstante a real motivação do crime ou o sem-número de versões que hão de alimentar mentes férteis e sórdidas por anos a fio, tem-se de concreto que o líder da corrida sucessória está fora de combate, ao menos no primeiro turno, por uma ação violenta que o deixou entre a vida e a morte.

É preciso considerar, todavia, que, a despeito do ato terrorista, continuam enormes as chances de um convalescente Bolsonaro passar para o segundo turno da disputa eleitoral, a ser encarado com as limitações de ordem física e uma série de cuidados e recomendações médicas que não poderão ser ignorados.

É óbvio que, em razão das circunstâncias, o seu adversário será enormemente beneficiado, na medida em que o equilíbrio conferido pela legislação na segunda fase da disputa resultaria inócuo diante das dificuldades e adversidades próprias do período de recuperação: impossibilidade de viajar pelo país, comparecer aos debates ou simplesmente gravar todos os programas eleitorais para o rádio e tevê, dentre outros compromissos típicos de um candidato à presidência da República na reta final da campanha.

Contrariando o que algumas pessoas têm defendido desde os primeiros minutos após o atentado, são nulas as chances de alteração do calendário eleitoral em função do quadro clínico do candidato do PSL. Assim, o fato de largar em clara desvantagem no segundo turno tiraria o brilho de uma eventual vitória de seu adversário, cuja legitimidade passaria a ser questionada desde o primeiro momento.

Por todos os ângulos que se observe, é possível antever uma agravação do cenário político tão deteriorado, com a eclosão de novos ataques e confrontos entre grupos sectários.

Na base de tudo isso, lamentavelmente, estão os discursos virulentos, as incitações ao crime, a identificação do adversário político como inimigo a ser aniquilado, os impiedosos julgamentos morais nas redes sociais, enfim, a absurda guerra de todos contra todos em que se transformou o debate político.

Nada mudará enquanto os radicais de direita e esquerda continuarem a dar o tom das campanhas. Como disse Eduardo Galeano, “a palavra é uma arma que pode ser bem ou mal usada: a culpa do crime nunca é da faca.”

Paulo Márcio Ramos Cruz é delegado de polícia civil e colunista do Universo Político.

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