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Construindo a cultura da aprendizagem em Sergipe

Por Josué Modesto 

Na conclusão do artigo intitulado “A cultura da reprovação na educação básica sergipana” prometemos abordar as ações que a Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura desenvolveu para combater a cultura da reprovação e substituí-la pela cultura da aprendizagem. Este é o propósito do artigo de hoje.

Superar uma cultura envolve tanto aspectos objetivos – com programas e ações com propósitos bem determinados e acompanhamento da execução e eventuais redirecionamentos e calibragem delas – quanto aspectos mais difusos, a exemplo do diálogo permanente com as (os) professoras (es) acerca de nossas práticas, dos resultados obtidos pelos estudantes e pelas escolas comparando-os com outras experiências, especialmente com as que obtêm melhores resultados.

Assumindo o risco da extrema simplificação, podemos afirmar que onde prevalece a cultura da reprovação não há sistemas de avaliação em larga escala, cujos resultados se transformem em evidências facilmente compreensíveis para a maioria dos professores, as quais servem para o planejamento do aperfeiçoamento das práticas pedagógicas.

Outra característica do ambiente da cultura da reprovação é o predomínio das baixas expectativas quanto às capacidades e possibilidades de aprendizagem dos estudantes. As baixas expectativas se transformam em profecias que se autorrealizam.

A gestão da rede de ensino e as direções das escolas não ofertam alternativas para reforço, intensificação ou recomposição de aprendizagem. Ou seja, mesmo em situações anteriores à devastação provocada pela pandemia da Covid-19, seguida pelo fechamento das escolas por quase dois anos letivos, havia situações generalizadas de baixos índices de aprendizagem, por vezes adicionadas de elevadas taxas de reprovação dos estudantes, aferidas apenas pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). As críticas e justificativas que se seguiam ficavam restritas ao universo da retórica, não se transformando, portanto, em ações educacionais.

O círculo se completa com uma certa nostalgia de uma escola pública de outrora, suposto templo do rigor, do cultivo do conhecimento e da ordem. Se por acaso esse professor tiver a informação de que houve, em um passado distante, uma tentativa da Secretaria Estadual da Educação de melhorar os resultados da baixa aprovação de estudantes reduzindo a nota mínima para aprovação, esse professor fictício poderia ser convencido de que os dirigentes se preocupam com números, não com a aprendizagem. Nessas circunstâncias, por que não resistir a essa intromissão e elevar o padrão de qualidade exigido de todos os estudantes? Afinal, as condições sociais, a falta de acesso a material didático, a falta de suporte familiar etc., nada disso lhes diz respeito. O que importa é a defesa da qualidade, como aprendeu com os provectos professores da universidade.

Em 2019, primeiro ano do Governo Belivaldo Chagas, duas importantes leis, propostas por esse governo, foram aprovadas na Assembleia Legislativa: a instituição do Sistema Estadual de Avaliação da Educação Básica de Sergipe (SAESE) e o Programa Alfabetizar pra Valer.

Sergipe foi um dos últimos estados da federação a instituir um sistema estadual de avaliação da educação básica. Em 2019 não houve tempo hábil para a implementação do sistema. Em 2020, quando já havíamos contratado a instituição que aplicaria as provas e forneceria os resultados analíticos, a pandemia impediu o funcionamento inicial do Saese. Em 2021, finalmente, foram aplicadas as provas e os resultados foram divulgados, produzindo, inclusive, indicadores para destaque das boas práticas de nossas escolas, as quais serão induzidas a compartilhar suas experiências exitosas com escolas com maiores desafios. O Saese foi aplicado em todas as escolas estaduais e municipais. Tanto as escolas destaque quanto as escolas com resultados desafiadores receberam recursos financeiros com os quais foram premiadas e assim terem acesso às melhores práticas.

O Programa Alfabetizar pra Valer é a nossa versão da estratégia de alfabetização na idade certa com regime de colaboração do Estado com os municípios, pioneiramente aplicado no Ceará, desde 2017, e com uma breve tentativa de aplicação em nível nacional, no governo da presidenta Dilma Roussef. Na avaliação nacional da alfabetização aplicada em 2016, apenas 20% das crianças matriculadas em nossas escolas públicas, no segundo ano do ensino fundamental, alcançaram bons resultados; os demais, 80%, não estavam suficientemente alfabetizados. Certamente esse é o problema raiz de nosso desempenho escolar insuficiente em todas as etapas da educação básica. Uma criança precariamente alfabetizada terá uma trajetória extremamente difícil. A partir do terceiro ano, será abandonada à própria sorte quanto à alfabetização, e o(a) professor(a) se preocupará com os conteúdos que essa criança deveria aprender. Não priorizar a alfabetização explica nossas massivas taxas de reprovação no terceiro ano do ensino fundamental e sua persistência pelos anos seguintes. O quadro se agrava na transição para os anos finais do ensino fundamental, quando o(a) professor(a) polivalente é substituído(a) por professores especialistas nas diversas disciplinas, culminando com o abandono escolar.

A decisão política de priorizar a alfabetização em regime de colaboração impõe-se pela centralidade do problema e pelo fato de os municípios deterem 80% das matrículas nos anos iniciais do ensino fundamental. O Estado de Sergipe se responsabilizou pelo convênio com o Estado do Ceará e com a Associação Bem Comum que fornecem assistência técnica para a implementação do Programa Alfabetizar pra Valer, pela remuneração dos bolsistas envolvidos nele, tanto nas redes municipais quanto na rede estadual, pela impressão e distribuição do material didático de apoio e, finalmente, pelas premiações anteriormente descritas. Em Sergipe, optamos pela perseguição da alfabetização até o terceiro ano do ensino fundamental enquanto durarem os efeitos da pandemia, que afastou das escolas os estudantes nos anos de 2020 e parcialmente em 2021. Quando os efeitos do Programa estiverem consolidados, a expectativa é de plena alfabetização de grande parte dos estudantes no segundo ano do ensino fundamental e de uma trajetória escolar exitosa em todas as etapas da educação básica.

Evidentemente uma trajetória exitosa exige monitoramento permanente. Para isso a transformação dos diários de classe do formato impresso para o formato digital permitiu um gerenciamento eficiente das informações educacionais tanto para cada professor quanto para as equipes dirigentes das escolas e de acompanhamento pedagógico da Secretaria de Estado da Educação. As escolas têm a possibilidade de acompanhamento em tempo real do risco escolar de cada estudante; isto é, se há indicação de baixo desempenho tanto em frequência quanto no aprendizado. Cabe à escola o acompanhamento personalizado da trajetória de cada estudante, e à Secretaria de Educação o provimento de condições para que a escola desenvolva a melhor estratégia para o sucesso de todos os estudantes.

No caso de escolas que acumularam um número significativo de estudantes com distorção idade-série, ou seja, com mais de dois anos acima da idade ideal para a série-ano em que o estudante está matriculado, a Seduc disponibiliza a opção de formação de turmas de correção de fluxo, através do Programa Sergipe na Idade Certa, PROSIC, que também disponibiliza material de suporte e apoio pedagógico específico para escolas que façam a opção por esse programa. Reforçando o regime de colaboração com os municípios, o apoio técnico é oferecido pela SEDUC aos municípios que desejem corrigir o fluxo em suas escolas.

Para não chegarem à situação de grande número de estudantes em distorção idade-série, as escolas são estimuladas a indicar estagiários do ensino superior, matriculados em cursos de licenciatura, com o propósito de oferecer reforço escolar aos estudantes com maiores dificuldades de aprendizagem. Recentemente este propósito foi reforçado com o Programa de Monitoria Estudantil, que beneficia estudantes de nossa rede com bom desempenho escolar para auxiliar seus colegas com dificuldades de aprendizagem, especialmente em Matemática e em Português. Estudantes maiores de idade podem ser selecionados para a monitoria de busca ativa e transporte escolar para a identificação das situações de infrequência de estudantes, prevenindo o abandono escolar.

Acreditamos na autonomia das escolas para o enfrentamento das situações peculiares que cada uma delas enfrenta. Por isso, recursos significativos são transferidos para cada Conselho Escolar, em tempo hábil, para que a escola possa iniciar o ano letivo disponibilizando material escolar de uso individual e uniforme escolar para todos os estudantes. Todas essas verbas são administradas pelo Conselho Escolar, dando concretude à gestão democrática, abrangendo, além do anteriormente citado, a aquisição de insumos para a manutenção escolar, tais como material de higiene e limpeza, material de expediente e material didático de uso coletivo; para reparos e manutenção dos equipamentos e prédios escolares, para a complementação da merenda escolar e para a aquisição de equipamentos e móveis. Este é o PROFIN, que passou por grande incremento no volume de recursos e pelo escopo de atuação, permitindo, inclusive, o financiamento de atividades de pesquisa, de custeio de feiras e eventos científicos e culturais, neste caso, em convênio com a FAPITEC, que repassa recursos da Seduc aos projetos aprovados por intermédio de editais convocando a apresentação de projetos.

Concluindo. Um conjunto de ações e programas foi disponibilizado para nossas escolas construírem estratégias de otimização da aprendizagem de todos os seus estudantes. A expectativa irrealista de transferência de suporte educacional para as famílias, tanto em termos de aquisição de material didático quanto em termos de apoio no reforço escolar e em atividades que fazem parte de uma educação integral, foi minimizada por meio de programas de aquisição, por parte das escolas, de material didático de uso coletivo e individual, do oferecimento de programas de reforço e correção da aprendizagem e da ampliação da oferta de ensino em tempo integral, no ensino médio e experimentos em pequena escala no ensino fundamental, que, esperamos, serão ampliadas até atingirem a universalização.

Todas essas ações, de âmbito pedagógico, foram reforçadas pela nova governança nas escolas e diretorias regionais de educação com a escolha de dirigentes, tendo como critérios o mérito e o desempenho, hoje consagrados na Emenda à Constituição Federal nº 108/2020. De forma análoga, o regime de colaboração do estado com os municípios e a lei do ICMS educacional, bem como os critérios de acesso à parcela VAAR do FUNDEB, induzirão a uma melhor governança da educação no âmbito municipal. Este é o conjunto de ações que, mantidas e aperfeiçoadas pelos próximos governantes, permitirão a superação da cultura da reprovação pela cultura do aprendizado para todos. Assim esperamos.

Josué Modesto é secretário de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura (Seduc) e foi reitor da Universidade Federal de Sergipe e da Universidade Federal da Integração Latino-Americana no Paraná

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