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Os impactos do Ensino Médio em Tempo Integral em Sergipe

Por Josué Modesto dos Passos Subrinho

A capacidade transformadora do Ensino Médio em Tempo Integral foi corporificada recentemente no exemplo de Willinston Augusto de Jesus, estudante do Colégio Estadual Miguel das Graças, localizado no pequeno município de São Miguel do Aleixo, no Agreste Central Sergipano. Sua trajetória é notável em termos de superação das previsões do seu destino. Oriundo de família de uma comunidade quilombola, vivendo no meio rural, sem grandes precedentes, no povoado e no entorno, de pessoas com elevados graus de escolarização, transformou o sonho de ser médico em um projeto de vida e deu um passo importante para concretizá-lo, ao obter o primeiro lugar entre os candidatos ao curso de Medicina da Universidade Federal de Sergipe. O ineditismo mereceu grande destaque na imprensa local e nacional. O próprio Willinston sublinhou, além do apoio familiar – especialmente de sua mãe, que conseguira licenciar-se em Pedagogia e ingressar no magistério – o papel da escola pública, com ênfase no Colégio Miguel das Graças e de seus professores que o incentivaram a sonhar alto em termos de carreira profissional.

Para além de um caso tão notável, o Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) está modificando em escala significativa a realidade do ensino médio público sergipano, resgatando o prestígio da escola pública como locus para a construção de uma sociedade melhor e de realização de projetos de vida.

A implantação do EMTI em Sergipe começou hesitante. A determinação dos governos estaduais na implantação dessa modalidade de ensino, ao contrário do estado de Pernambuco, foi menor do que a resistência organizada pelo sindicato docente. Poucos colégios adotavam o modelo de Centros de Excelência, que associavam o regime de tempo integral para os estudantes e de dedicação exclusiva para professores, acessados por meio de processos seletivos de alunos e de docentes. Posteriormente, tendo em vista as críticas ao caráter excludente do processo seletivo de estudantes, incompatível com a universalização do ensino médio, tal processo foi suprimido, mantendo-se apenas a seleção de professores.

Há dois anos, comentava com um amigo, ex-secretário de Educação do Estado de Pernambuco, as imensas críticas e incompreensões que enfrentávamos no atingimento de uma das metas do Plano Nacional de Educação, reiterada em nosso Plano Estadual de Educação, exatamente a referente à meta de ter ao fim da vigência dos planos, 50% das escolas ofertando EMTI e 25% dos estudantes matriculados nessa modalidade. Ao contrário do que ocorrera em Pernambuco, onde tal modalidade se tornara política de estado, resistindo às alternâncias políticas no Governo Estadual, em Sergipe, transformar essa meta em Política de Estado foi muito difícil. Meu amigo afirmou que, de fato, o EMTI havia se consolidado como uma conquista da sociedade pernambucana, porém sua implantação não fora um desfile por uma avenida iluminada. Exemplificou as resistências com um cortejo fúnebre em que ele fora simbolicamente enterrado. Parece que este enredo já foi encenado em outros locais.

Desde a adoção pelo Governo Federal de um programa de fomento à implantação do EMTI, a expansão da matrícula e do número de escolas participantes do programa vêm tendo um crescimento sustentado, conforme os números abaixo:

O crescimento da matrícula, numa escala que tivesse impacto nos resultados educacionais, começou em 2017. O modelo de implantação foi progressivo; ou seja, a escola ia transformando em tempo integral a primeira série do Ensino Médio, deixando de ofertá-lo na modalidade convencional, com carga horária de 800 horas anuais. No ano seguinte, além da primeira série, se ofertaria a segunda série e, finalmente, no terceiro ano se completaria o ciclo com a oferta das três séries. Como se pode ver no Quadro 1, a inclusão de novas escolas no programa provocou um crescimento contínuo na matrícula total. Quanto à matrícula na terceira série, paradoxalmente houve decréscimo entre 2016 e 2018, explicado pela defasagem temporal na implantação dessa série e, possivelmente, pela transferência para outro local de funcionamento, da maior unidade então ofertante: o Colégio Atheneu Sergipense, cujo prédio sede estava em reforma.

O persistente crescimento da demanda de matrícula no EMTI antevê o cumprimento da meta, estabelecida no Plano Nacional de Educação de no mínimo 25% da matrícula do Ensino Médio ser feita nesta modalidade e de no mínimo 50% das escolas que ofertam a etapa que o façam nessa modalidade. É importante destacar que, no momento, todas as regiões do Estado estão contempladas com ao menos três escolas, e que elas estão presentes em 38 municípios, ou seja, em mais da metade dos 75 municípios sergipanos.

No ano de 2020 conseguimos um importante marco em termos da escala da matrícula no EMTI. O total de 12.595 matriculados ultrapassou numericamente a matrícula no ensino médio na rede privada, que foi de 12.265, nesse ano. Evidentemente persistem as diferenças de acesso aos bens culturais e materiais propiciadas pelas diferenças socioeconômicas. As condições de oferta da educação pública para os participantes do EMTI têm o propósito explícito de compensar as maiores dificuldades dos estudantes egressos dos segmentos sociais mais prejudicados economicamente. A jornada escolar ampliada, a oferta de atividades esportivas e culturais, o incentivo ao protagonismo estudantil e a construção de projetos de vida e, também, o fato de a Rede Estadual de Ensino Médio ter muito maior capilaridade no território estadual podem permitir que muitos outros estudantes acessem, com qualidade e méritos, maiores níveis de escolarização. Vale lembrar que em São Miguel do Aleixo, por exemplo, a única escola que oferta o Ensino Médio é aquela onde Willinston estudou. O mesmo acontece em várias cidades de nosso interior e em bairros da periferia de nossas cidades de maior porte.

Em 2019 tivemos uma nova edição da avaliação da Educação Básica Brasileira, realizada pelo INEP. Os resultados são apresentados em um índice que sintetiza grau de aprendizagem e de fluxo de aprovação dos estudantes em cada etapa. Para o Ensino Médio, o IDEB da Rede Estadual sergipana foi de 3,3, enquanto em 2017 havia sido de 3,1. As escolas que ofertavam o EMTI tiveram um desempenho sensivelmente melhor, visto que o IDEB das que já ofertavam essa modalidade e continuaram em 2019 cresceu 23%, enquanto o conjunto das escolas que não ofertavam a modalidade em 2017 e continuaram sem ofertá-la em 2019 teve um crescimento de 7%.

É importante adicionar que o impacto da implantação do Ensino Médio em Tempo Integral não se restringiu às escolas que completaram o ciclo e que foram submetidas à avaliação. A própria discussão em torno da metodologia dessa modalidade, a maior disponibilização de recursos, a capacitação e acompanhamento sistemático da implantação do projeto pedagógico tiveram efeitos além dos estudantes e professores envolvidos diretamente, conforme pode ser demostrado no Quadro 2.

O IDEB de toda a Rede Estadual foi 3,3. O leitor mais atento poderia perguntar como o IDEB das escolas sem EMTI e todos os demais critérios destacados tiveram tal índice superior à média. A razão é que as escolas que não atingem uma participação mínima de 80% dos seus estudantes matriculados nas respectivas etapas de avaliação não têm seus dados divulgados, porém esses são computados para a formação do IDEB da rede. A baixa adesão ao exame pode indicar pequeno comprometimento com os resultados que possivelmente se expressam em índices baixos e não divulgados. Posto isto, vejamos os resultados apresentados no Quadro 2.

Comecemos com as escolas sem EMTI, cujo IDEB foi de 3,4. O critério seguinte de escolas com EMTI, mas com ensino noturno, apresenta o mesmo IDEB; ou seja, a capacidade de a modalidade em tela impulsionar o desempenho global da escola é limitada quando essa unidade oferta ensino noturno. Não é difícil entender a razão. O corpo docente do EMTI não atua no ensino noturno, portanto a troca de experiência com docentes desse turno é muito dificultada. Da mesma forma, na situação de implantação incompleta do EMTI em escolas que ofertam Ensino Médio diurno e noturno, o impacto não é significativo. A situação muda quando a escola oferta apenas Ensino Médio diurno. Neste caso, mesmo com uma implantação incompleta do EMTI, o IDEB foi elevado para 4,1, demonstrando que a convivência em um mesmo turno de docentes e estudantes com um projeto pedagógico inovador surte efeitos importantes. Finalmente, na situação em que a escola já oferta todas as séries do Ensino Médio em Tempo Integral de forma exclusiva, o IDEB foi, em média, o mais alto: 4,6.

Neste ano de 2021 teremos a realização de uma nova avaliação no âmbito do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). A controvérsia sobre sua realização foi incrementada em razão da situação extremamente difícil que estamos atravessando em decorrência da pandemia que já comprometeu boa parte das atividades educacionais presenciais do biênio 2020-2021. Há uma previsão de grande retrocesso nos índices refletindo o conjunto de dificuldades que estamos enfrentando. A pergunta que fica é se nesse quadro de possíveis retrocessos educacionais, os programas que receberam maiores atenções e investimentos conseguiram ao menos mitigar perdas. Esperamos que sim, e que eles forneçam uma base para a retomada da trajetória incremental na melhoria da qualidade do ensino à qual gerações têm se dedicado.

Josué Modesto dos Passos Subrinho é  secretário de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura – Seduc -, e foi reitor da Universidade Federal de Sergipe e da Universidade Federal da Integração Latino-Americana no Paraná.

Modificado em 09/09/2021 12:44

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