body { -webkit-touch-callout: none; -webkit-user-select: none; -khtml-user-select: none; -moz-user-select: none; -ms-user-select: none; user-select: none; }

Os custos da reprovação escolar do Ensino Médio em Sergipe

Josué Modesto dos Passos Subrinho

Um dos maiores desafios da educação pública brasileira tem sido prover o Ensino Médio com qualidade. As lacunas na aprendizagem nas etapas anteriores vão se acumulando, e os jovens estudantes, por vezes trazendo também um histórico de reprovações e/ou abandonos de estudos, sentem a pressão da aproximação da vida adulta sem concluir os anos da Educação Básica e, portanto, com condições muito adversas para ingresso no mundo do trabalho. Para nossas escolas, ao lado do processo de construção da aprendizagem, há o desafio de despertar sonhos, projetos, e delinear estratégias de alcance dos objetivos fixados pelos estudantes.

Não é fácil em nenhuma circunstância, mas certamente é mais instigante quando o número de estudantes que aparentemente desistiu de estudar, começa a disputar com os que persistem. Vejamos os números da matrícula no Ensino Médio estadual sergipano.

Devemos lembrar uma das características da oferta de vagas pelas redes públicas da Educação Básica. Ao contrário do Ensino Fundamental, para o qual, em Sergipe, predomina a chamada competência concorrente, isto é, tanto o estado quanto os municípios ofertam vagas nessa etapa, no Ensino Médio os municípios não atuam, ficando sob responsabilidade das redes estadual e federal, sendo esta última relativamente pequena.

Para projetar o número de matrículas no Ensino Médio, na Rede Estadual, em 2018, fizemos as seguintes suposições: os matriculados no nono ano do Ensino Fundamental da Rede Estadual (9.543), somados aos matriculados no mesmo ano nas redes municipais (11.099) e ainda o excesso de matrículas nas escolas privadas do último ano do Ensino Fundamental em relação aos matriculados no primeiro ano do Ensino Médio (1.823), seriam matriculados na Rede Estadual, o que leva a 20.642 matrículas. Se aplicarmos a esse ano escolar uma taxa de reprovação de 7% – percentual atingido pelo Estado de Pernambuco, unidade federativa que apresenta melhor desempenho no Ensino Médio, na Região Nordeste e um dos melhores do país – , a  matrícula projetada seria de 24.037, número abaixo do efetivamente verificado, conforme pode ser visto na tabela acima. Observe-se que as suposições de que todos os estudantes matriculados no nono ano do Ensino Fundamental nas redes municipais e estadual, e que parte dos egressos do mesmo ano escolar das unidades de ensino privadas migrassem para a Rede Pública Estadual na primeira série do Ensino Médio, são otimistas, visto que parte deles provavelmente abandonou a escola. O fato de a matrícula registrada na primeira série ser superior à matrícula projetada leva inevitavelmente a uma taxa de reprovação superior à taxa que estamos utilizando na projeção.

O comportamento já verificado nos anos finais do Ensino Fundamental, tanto nas redes municipais quanto na Rede Estadual, manifesta-se em sua plenitude no Ensino Médio. A uma alta taxa de reprovação corresponde uma alta taxa de evasão. O número de matriculados na terceira série do Ensino Médio corresponde a 65% dos matriculados na primeira série. Os 35% foram vencidos pelo desalento.

Recapitulemos as principais conclusões dos artigos acerca da reprovação escolar. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, mesmo antes de concluído o ciclo de alfabetização, constata-se elevada taxa de reprovação. Por outro lado, o grau de alfabetização obtido pelas crianças em nossas escolas, segundo aferição oficial, estava predominantemente nos níveis mais baixos; apenas 20% delas, em 2016, alcançavam os níveis considerados bons. Esta insuficiente alfabetização dificulta a adequada aprendizagem nos anos subsequentes, e as reprovações se acumulam sem que ações estruturadas de intensificação de aprendizagem e recuperação paralela sejam ativadas em larga escala. O inchaço da matrícula aumenta os custos das redes públicas com a criação de turmas para atender aos estudantes repetentes (retidos) que são agregados aos que estão acompanhando o fluxo. Nos anos finais do Ensino Fundamental, não obstante a obrigatoriedade da frequência escolar, começa a aparecer em grande escala o abandono que se consolida no Ensino Médio.

A preocupação com o fluxo escolar, com os traumas que ela causa em nossas crianças e jovens e com os impactos orçamentários sobre a educação pública, nem sempre é bem compreendida na nossa comunidade. Por vezes, acusam-se os dirigentes de preocupação com números e não com a qualidade do ensino. Não eliminamos a possibilidade de que em algum momento tenha se tentado mudar o quadro com uma simples modificação na régua para aferir a qualidade. Não é esse o enfoque da Seduc. Almejamos o maior grau possível de aprendizagem de todos, e sabemos que para obter tais resultados, recursos humanos e materiais precisam ser aplicados com diligência.

O que fazer? Ou mais precisamente, o que estamos fazendo e planejando para reverter um quadro tão grave de nossa Educação pública?

Primeiro. A alfabetização na idade certa é condição imprescindível para o sucesso escolar. No Brasil, segundo a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), em 2016, apenas 50% das crianças no terceiro ano do Ensino Fundamental estavam nos melhores níveis. Já em Sergipe, na mesma avaliação, somente 20% apresentavam nivelamento considerável, graves consequências sobre a aprendizagem. O Programa Alfabetizar pra Valer, ação conjunta do Governo Estadual e praticamente todas as prefeituras municipais de Sergipe, com o apoio técnico do Instituto Bem Comum e patrocínio da Fundação Leman e Instituto Natura, deverá reverter esse quadro de baixa alfabetização. Recursos humanos, material de apoio e material escolar para todos os estudantes estão assegurados para a plena alfabetização nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental. Certamente a alfabetização na idade certa contribuirá decisivamente para um fluxo adequado de nossas crianças nos anos subsequentes.

Segundo. Política de correção da defasagem idade/série. A Rede Estadual de ensino e muitos dos nossos municípios abandonaram projetos de correção de fluxo escolar. Os dados evidenciam que a elevada repetência leva à convivência de crianças e jovens com idades diferentes nas mesmas salas de aula, levando ao desinteresse, ao bullying e ao baixo aproveitamento escolar. O Programa Sergipe na Idade Certa, com o apoio do UNICEF, tem o objetivo de incentivar as escolas, novamente sem custos para o Estado, a formar turmas com alunos em defasagem de idade/série, desenhando programas especiais de aceleração de aprendizagem e buscando trilhas de sucesso para esses estudantes que sofreram tropeços em seus processos de aprendizado.

Terceiro. Implantação do Currículo sergipano orientado pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e investimento na formação dos professores para a efetiva apropriação do Currículo.

Quarto. Construção do novo Currículo para o Ensino Médio, tendo em vista a BNCC e as experiências locais e nacionais.

Quinto. Consolidação e expansão sustentada da oferta de Ensino Médio em Tempo Integral,  seguindo metas fixadas tanto no Plano Nacional de Educação quanto no Plano Estadual de Educação. Não por acaso os estados que mais avançaram nas avaliações nacionais de qualidade do Ensino Médio foram os que melhor desenvolveram e estenderam para todas as unidades escolares as experiências bem sucedidas de suas escolas em Tempo Integral. Em Sergipe estamos trilhando o mesmo caminho.

Sexto. Atualização do Ensino Técnico e Profissionalizante, tendo em vista as oportunidades do mundo do trabalho local e nacional e suas aceleradas mutações.

Sétimo. Adequação da Educação de Jovens e Adultos aos interesses e perfis dos estudantes, especialmente com a introdução de cursos profissionalizantes no currículo da modalidade.

Oitavo. Atualização dos mecanismos de acompanhamento e avaliação de desempenho como instrumento para planejamento das atividades pedagógicas, dentre os quais se destaca a criação do Sistema Estadual de Avaliação Educacional.

Nono. Investimentos nas escolas, envolvendo desde reformas e ampliações prediais até aquisição de equipamentos e insumos. Um aspecto crucial diz respeito à disponibilização de material escolar de uso individual para os estudantes, visto que muitas famílias não têm condições para suprir tais necessidades, o que torna a escola pública intrinsecamente excludente.

Enfeixando todas essas ações, há a visão do governador Belivaldo Chagas de que a educação é prioritária e deve ser gerida como Política de Estado, tudo isso visando a capacitar nossas novas gerações para obter os mais elevados níveis de aprendizado, permitindo o desenvolvimento pleno de suas potencialidades e talentos. Não é um caminho isento de esforços. Ele exige resiliência para se receber com tranquilidade os bons resultados e tirar lições dos eventuais tropeços no percurso. Depois de anos de resultados frustrantes e incompatíveis com as tradições e aspirações culturais e educacionais do povo sergipano, temos certeza de estarmos persistindo em uma trajetória de sucesso.

Josué Modesto dos Passos Subrinho é secretário de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura (Seduc) e foi reitor da Universidade Federal de Sergipe

Modificado em 02/09/2020 06:43

fabio: