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“O império do crime avança sobre Moro e a Lava Jato”

“Bolsonaro, por sua vez, passa recibo de que foi sequestrado pelo carcomido sistema”

Por Paulo Márcio 

Em maio de 1992, denúncias de corrupção apresentadas contra o então presidente da República por seu irmão, Pedro Collor de Melo, inflamariam os estudantes e a esquerda brasileira, deflagrando o movimento que culminaria no impeachment do farsante autointitulado “caçador de marajás” Fernando Collor de Mello.

No dia 23 daquele mesmo mês e ano, em uma pequena localidade da província de Palermo, na Sicília, a Cosa Nostra detonaria uma carga de dinamites em uma estrada pouco movimentada, assassinando o juiz Giovanni Falconni, sua esposa e guarda-costas.

O atentado contra o magistrado que combatia vigorosamente a máfia siciliana chocou o mundo. Mas o destemor, a retidão, a firmeza de caráter e a seriedade que permearam a atuação de Falconni como que se elevaram muito acima do Pizzo Carbonara e do Etna, espraiando-se em todas as direções, qual farol a dissipar as cinzas da impunidade de que se nutrem organizações criminosas de todos os continentes.

Ali mesmo, na Velha Bota, no mesmo ano em que Salvatore Riina calava para sempre Giovanni Falconni, o procurador Antonio Di Pietro daria início à maior cruzada contra o crime organizado de que se tem notícia: a Operação Mãos Limpas.

A partir da Procuradoria de Milão, por meio de um intenso trabalho investigativo e com a colaboração de mafiosos arrependidos, como Tommaso Buscetta, a Operação Mãos Limpas logrou desbaratar um grandioso esquema envolvendo membros do governo, parlamentares, bancos e empresas vendedoras de bens e prestadoras de serviços públicos. Os números falam por si sós: 2.993 mandados de prisão expedidos e 6.059 pessoas sob investigação entre 1992 e 1994.

No Brasil, à exceção de um ou outro caso de corrupção isolado, geralmente adstrito a um ministério, empresa estatal ou governo regional e local – muitos dos quais foram arquivados ou simplesmente prorrogados até atingirem a prescrição -, não se tem registro de qualquer trabalho investigativo capaz de abalar as estruturas da corrupção sistêmica até o advento da Operação Lava Jato, em março de 2014.

A doação de um veículo Land Rover pelo doleiro Alberto Youssef ao então Diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, detectada pela Polícia Federal na Operação Miqueias, foi o fio de novelo que levaria à descoberta do maior caso de corrupção da história mundial.

A forca-tarefa composta pela Polícia Federal, Ministério Público Federal e Receita Federal, no entanto, jamais teria avançado tanto e obtido tamanho êxito no combate ao império do crime não se encontrasse à frente da 13a Vara Federal de Curitiba o juiz Sérgio Moro.

Sem embargo, o ex-juiz e atual ministro da Justiça e Segurança Pública é de uma cepa de agentes políticos que, a exemplo de Giovanni Falconni e Antonio Di Pietro, atua em defesa do interesse público sem olhar para a conta bancária, as cores partidárias, os títulos nobiliárquicos e os anéis episcopais de quem quer que se disponha a deliberadamente afrontar os cânones republicanos.

Ao contrário dos seus mais desabridos e invejosos adversários, togados ou não, o ex-juiz não se utiliza do cargo e do prestígio de que goza para perseguir ou proteger, para locupletar-se ou interpretar o direito de maneira casuística e a bem de indivíduos e grupos.

Decerto, esse comportamento republicano que pauta a conduta de Sergio Moro causa estranheza e perplexidade às mentes mais retrógradas. Desnudos e atordoados, sem razão acusam-no ora de parcial, ora de partidário, ora de autoritário, predicados que não se sustentam quando confrontados com o vasto espectro político atingido pela Lava Jato e com a confirmação, em duplo grau de jurisdição, da quase totalidade das decisões condenatórias proferidas em primeira instância, bem assim com as absolvições fundadas nos mais diversos motivos, dentre os quais a insuficiência de provas.

Profundo conhecedor do caso italiano, desde sempre Moro sabia que, assim como se deu em relação à Operação Mãos Limpas, não tardaria as falanges golpeadas pela Lava Jato logo se mancomunariam para implodir as instituições e pôr um fim à continuidade das investigações.

Mais do que isso: o estudo do caso italiano sinalizava que o império da corrupção iniciaria o processo de restauração da empresa criminosa a partir das cúpulas dos poderes, seja por meio do desmonte ou sufocamento das instituições de controle e repressão (Polícia Federal, Ministério Público Federal, COAF, Receita Federal), seja pela aprovação de uma legislação para reduzir ou extinguir a eficácia de institutos processuais como a colaboração premiada ou criar uma lei de abuso de autoridade para punir severamente policiais, magistrados e membros do ministério público, desencorajando novas investigações, seja, finalmente, pela intervenção de ministros dos tribunais superiores em casos concretos, diretamente ou por via oblíqua, sorrateiramente  alterando a consagrada jurisprudência com o propósito de anular ou evitar condenações de corruptos.

Assim é que, estrategista e ciente de que as aves que aqui rapinam, rapinam como as de lá, Moro viu no convite para o Ministério da Justiça a oportunidade ideal para defender o legado da Lava Jato no coração do poder, onde o exército inimigo já se encontrava enfileirado.

Deixar a carreira de juiz federal para assumir um posto político em Brasília não é algo que se possa esperar de alguém que não esteja imbuído do mais profundo sentimento patriótico.

Mas nem Sérgio Moro teria se submetido a tamanho sacrifício se não houvesse, por parte de quem o convidou, a garantia de que desempenharia seu trabalho com total autonomia e isenção. E foi por ter recebido uma carta branca de Jair Bolsonaro que Moro aceitou a missão, sob o beneplácito de milhões de brasileiros honestos e esperançosos que aspiram por um país verdadeiramente decente.

E esses mesmos brasileiros, que não são lobotomizados nem cultuam corruptos de quaisquer matizes ideológicos, de há muito perceberam que não anda bem a relação entre o presidente Jair Messias Bolsonaro e o ministro Sérgio Moro.

É visível o desconforto de ambos, apesar das tuitadas e declarações que tentam aparentar um clima harmonioso. Dia após dia, Bolsonaro toma deliberadas decisões que desautorizam e minam a autoridade de seu mais popular e competente ministro, na esperança de que este lhe entregue o cargo.

Moro é hoje o principal obstáculo no caminho das falanges que celebraram o vergonhoso acordão para destruir a Lava Jato. Bolsonaro, por sua vez, passa recibo de que foi sequestrado pelo carcomido sistema, a quem entregou a cabeça de Moro em troca de proteção ao filho investigado por irregularidades no exercício do mandato de deputado estadual do Rio de Janeiro.

Bolsonaro ainda não compreendeu que foi eleito não por suas qualidades – que são pouquíssimas, convenhamos -, mas por se mostrar, entre as opções apresentadas ao eleitor, como aquela menos parecida com o entulho que a Lava Jato removera do cenário político.

Vale dizer: não fossem Sérgio Moro e a Operação Lava Jato, Bolsonaro seria apenas mais um deputado do baixo clero envolvido em polêmicas e discussões superficiais em alguma comissão esquecida da Câmara dos Deputados.

Sérgio Moro, ao contrário, é astro de luz própria. Símbolo nacional da luta contra a corrupção, já fez muito e poderá fazer ainda muito mais pelo país, sem precisar se apequenar, sem ter que conviver com gente medíocre, pérfida e insegura.

Paulo Márcio Ramos Cruz é colunista do Universo.

Modificado em 06/09/2019 07:35

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