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A mãe de todas as delações é filha do conluio entre mafiosos e autoridades da República

Por Paulo Márcio

A delação dos irmãos Wesley e Joesley Batista  é questionável sob vários aspectos: ético, moral, jurídico e político. Não sem razão, avolumam-se dúvidas e mais dúvidas sobre as reais intenções do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e das Organizações Globo, que, tudo leva a crer, urdiram um plano para atingir em cheio o coração do poder e provocar a queda de um presidente da República que, a despeito da baixa popularidade, vem se empenhando em aprovar um conjunto de reformas necessárias à recuperação da saúde financeira do Estado, à retomada do crescimento econômico e à garantia da própria  governabilidade.

Não houvesse o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, divulgado de forma sensacionalista, na noite da última quarta-feira, 17, que o presidente Michel Temer havia sido gravado pelo empresário Joesley Batista dando o seu aval para a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e aceitado propina em troca de favores ao grupo JBS, o país não teria entrado em convulsão, com algumas centenas de pessoas saindo às ruas para pedir a renúncia do Temer e a imediata convocação de eleições diretas, nem a economia seria afetada com a alta do dólar e a queda da bolsa de valores já no dia seguinte à deflagração do artefato pirotécnico.

A coisa se deu de maneira tão grotesca e absurdamente suspeita que, quase 24 horas após o “furo histórico”, o presidente acusado de tramar contra os interesses do país ainda não tinha conhecimento do conteúdo dos áudios que serviram de base à reportagem. Foi preciso que o Temer viesse a público fazer um pronunciamento às escuras, em rede nacional, para que o ministro Edson Fachin se dignasse a retirar o sigilo da delação, oportunizando a todos confrontar aquilo que a Globo dera como verdade com o que o gravador clandestino de Joesley Batista efetivamente captara no encontro reservado com o presidente da República. Mas o estrago já havia sido feito e, à exceção da jornalista Vera Magalhães, do Estadão, ninguém mais veio a público pedir desculpas por repercutir, sem a devida checagem, as informações dadas em primeira mão pela Globo.

 Apesar da reprobabilidade tanto das circunstâncias em que se deu o encontro quanto do teor da conversa gravada clandestinamente, decerto incompatível com a estatura e a nobreza do cargo de presidente da República, não se depreende do diálogo que Temer tenha dado seu aval para a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, nem se comprometera a atender a interesses da JBS em troca de propina. Vale dizer: não se configuraram os crimes de obstrução à justiça e corrupção passiva imputados ao presidente pelo procurador-geral da República, visto que ele, hora nenhuma, aquiesce, instiga, auxilia, encoraja ou induz seu interlocutor a praticar qualquer conduta vedada por lei. Mesmo a impactante frase “Tem que manter isso, viu?”, dita por Temer a Joesley, foi mágica e levianamente deslocada de um trecho a outro do diálogo pelo jornalista escolhido para o trabalho sujo, induzindo a opinião pública a acreditar que o presidente havia de fato chancelado a proposta de compra do silêncio do ex-parlamentar. Mas o conteúdo da gravação, liberada posteriormente pelo STF, não autoriza, ainda que por dedução, que se chegue a tal conclusão, não sem a obrigatória presença de outras evidências que, somadas, venham a constituir um conjunto probatório robusto e inequívoco.

É igualmente espantoso que só após a detonação da bomba que abalou a República e fissurou a base governista, a PGR tenha pedido, e o ministro Fachin autorizado, a abertura de inquérito policial para apurar supostos delitos cometidos pelo presidente da República no exercício do mandato. Ora, se os crimes estão tão bem configurados, conforme assevera o Ministério Público Federal, por que tanto o pedido quanto a abertura do inquérito só se deram dois meses após a entrega da gravação aos procuradores responsáveis? Seguindo essa mesma linha de raciocínio, convém  indagar: o que levou o procurador-geral da República a pedir a abertura de inquérito contra o presidente da República sem antes submeter a gravação clandestina à perícia da Polícia Federal, a fim de comprovar sua autenticidade e a inexistência de edição com fins escusos e inconfessáveis?

Quem tiver a resposta para essas perguntas certamente dispõe de informações que, uma vez reveladas, fatalmente levarão à revogação de todo o acordo de delação premiada dos irmãos Batista e seus agentes quanto à anulação dos áudios que “incriminam” o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves (PSDB). Neste particular, convém sugerir ao Congresso Nacional ouvir alguns personagens-chave do caso, a começar pelo procurador da República Ângelo Goulart Villela, preso na última quinta-feira, 18, por suposto envolvimento com a Operação Greenfield, notadamente o recebimento de 50 mil reais por mês para passar informações sobre a operação a um advogado da J&F que foi igualmente preso preventivamente.

Por trás da mãe de todas as delações, esconde-se um esquema meticulosamente arquitetado para livrar os açougueiros e suas empresas de destino semelhante ao amargado por Marcelo Odebrecht e sua portentosa construtora. Na base do êxito obtido pela dupla Wesley e Joesley para fechar os acordos com o Ministério Público Federal, estão presentes os mesmos talento e desenvoltura que lhes permitiram angariar aportes de aproximadamente 15,5 bilhões de reais junto ao BNDES e à Caixa Econômica nos governos Lula e Dilma. As evidências são tantas que saltam aos olhos, mas a cegueira ideológica e o radicalismo político reinante não permitem enxergá-las com a clareza e lucidez  necessárias.

Wesley e Joesley conseguiram, munidos de gravações clandestinas e provas de doação ilegal aos principais partidos e caciques da política nacional, fechar acordos de delação premiada no prazo recorde de dois meses e, cumpre ressaltar, às vésperas do julgamento, no TSE, de uma ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer, mas cuja decisão tende, segundo a imprensa especializada, à separação das contas, tornando a ex-presidente inelegível e mantendo o atual presidente no cargo até o final do mandato, algo que contraria os interesses do Ministério Público Eleitoral, de forma geral, e do procurador-geral da República, em particular, lembrando que Janot e Gilmar Mendes, presidente do TSE e simpático à tese da separação das contas de Dilma e Temer, estão em guerra declarada desde a soltura do empresário Eike Batista. Assim, bastou entregar de bandeja as cabeças de Temer e Aécio – encomendadas sabe-se lá por quem de dentro ou de fora do MPF -, que os mafiosos livraram-se da prisão e foram autorizados a residir nos Estados Unidos, como modelos de cidadãos e heróis da pátria. Sua única obrigação? Devolver ao erário uma quantia vergonhosamente ínfima diante dos crimes perpetrados e dos bilhões de reais amealhados por meio de negociatas, corrupção e tráfico de influência. Em suma: o acordo perfeito para os crimes perfeitos.

Ocorre que, para obter tamanha benesse, os Batista sabiam que precisavam contar com duas coisas além do farto dinheiro utilizado para comprar políticos e autoridades: advogados hábeis e suficientemente influentes para convencer o Ministério Público Federal a celebrar vantajosos acordos de delação premiada com os investigados e de leniência com a J&F ( holding que controla a JBS) e uma prova cabal contra Temer e Aécio para servir de cortina de fumaça à celebração dos acordos espúrios, deslocando a competência para o Supremo Tribunal Federal, menos suscetível à pressão popular e, como efeito colateral, insuflando os partidos e movimentos de esquerda contra o presidente da República, bem como precipitando uma campanha pela antecipação de eleições diretas. Isso sem falar na especulação com a própria crise que se seguiu, sabido que os Batista faturaram com a alta do dólar e queda das bolsas.

Bilionários e com trânsito fácil em Brasília, aos irmãos Batista só faltava encontrar o advogado perfeito para costurar o acordo dos sonhos com o MPF. E a busca não durou muito. Bafejados mais uma vez pela sorte que os acompanha desde o berço, os magnatas da carne foram orientados  a contratar o advogado e ex-procurador da República Marcelo Miller, braço-direito de Janot até março deste ano. Simples assim. De acordo com Vera Magalhães, do Estadão, Miller, que desde março passou a advogar no escritório Trench, Rossi e Watanabe, ajudou na elaboração do acordo de leniência entre o Ministério Público Federal e a J&F. Bem que o Congresso Nacional poderia convidá-lo a dizer se também colaborou, ainda que informalmente, na elaboração do acordo de delação premiada dos seus outorgantes com os seus ex-colegas do MPF, além de perquirir sobre questões relacionadas a suspeição e impedimento no âmbito processual.

É óbvio que não estamos acusando procuradores de terem recebido vantagem indevida para praticar ou deixar de praticar atos de ofício no âmbito das investigações. Todavia, dado o “modus operandi” de Wesley e Joesley Batista, é imperioso que essas e outras questões ventiladas sejam passadas a limpo. Não é demais lembrar que um procurador da República está preso, um juiz federal está sob suspeição e, em meio a tudo isso, um procurador pede exoneração do Ministério Público e, no dia seguinte, já está redigindo, como advogado, os termos de um acordo de leniência da J&F com o próprio Ministério Público Federal. Tudo isso é incomum e passa ao largo dos valores e princípios republicanos.

Michel Temer, Aécio Neves, Lula, Dilma, Cid Gomes, Gilberto Kassab, Guido Mantega, Marta Suplicy, Fernando Pimentel, dentre outros citados, têm que ser investigados pelos fatos que lhe foram imputados pelos delatores. Em relação a Michel Temer, unicamente, há apenas que se observar a norma constitucional que proíbe que o presidente seja investigado por fato anterior ao seu mandato.

Assim, não havendo indícios suficientes de autoria dos crimes de corrupção passiva e obstrução à justiça durante o exercício do mandato, e vedada a investigação de fatos anteriores ao mandato vigente, é de uma irresponsabilidade sem precedentes a instauração de inquérito para investigar o presidente da República com base, exclusivamente, em uma gravação inconclusiva feita por um delator com os predicados de Joesley Batista.

Os adeptos da farsa, decepcionados com o áudio e cientes de que não há justa causa para a manutenção do inquérito pelos crimes inicialmente atribuídos ao presidente, falam agora em prevaricação, ao argumento de que o presidente não relatou o fato ao procurador-geral da República. Perceberam a armadilha? Vamos explicá-la didaticamente.

Admita-se, por hipótese,  que um investigado, buscando desesperadamente um  acordo de delação premiada com o procurador-geral da República, é instruído a gravar uma reunião com o presidente da República, na qual admitirá a prática de vários ilícitos e induzirá o presidente a autoincriminar-se. Feita a gravação, teremos, então, três possibilidades: a) o presidente da República, induzido pelo delator,  autoincrimina-se e é processado pelos crimes admitidos e outros a ele eventualmente conexos; b) o presidente da República, por qualquer razão (mesmo por não acreditar no interlocutor), silencia, mas, denunciado pelo autor da gravação, acaba sendo processado pelo procurador-peral da República pela prática do crime de prevaricação; e c) o presidente da República oficia o procurador-geral da República para que este adote as providências em relação ao criminoso confesso, eximindo-se de qualquer responsabilidade no âmbito criminal; todavia, seu ato conforme à lei resultará inócuo, porquanto o criminoso está em vias de firmar um acordo de delação premiada com o procurador-geral da República.

Por todos os ângulos que se observa, percebe-se quão temerária é a estratégia processual levada a efeito por Rodrigo Janot e endossada pelo ministro Edson Fachin, sob o patrocínio da Rede Globo e de grupos políticos descomprometidos com a ordem constitucional.

A prevalecer tamanho absurdo, a figura do presidente da República passa, doravante, a ser alvo permanente e preferencial de indivíduos e grupos especializados em chantagem e manipulação. Em última análise, o instituto da delação premiada deixa de ser um virtuoso  instrumento de repressão às organizações criminosas  para se transformar em um perigoso mecanismo de coação e achaque nas mãos de criminosos inescrupulosos.

Não raras vezes nos vemos diante de situações que demandam cautela e bom-senso no exercício da atividade hermenêutica. No início da minha vida profissional, sempre ouvi com redobrada atenção o professor e ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto ensinando-nos uma das mais preciosas lições do ilustre Carlos Maximiliano, segundo a qual “o direito não se compadece com interpretações conducentes ao absurdo”. Daí minha esperança de que o Supremo Tribunal Federal, na sessão da próxima quarta-feira, 24, aja como um verdadeiro  Guardião da Constituição Federal e, com a independência e a altivez que se espera de uma Corte Constitucional, restabeleça o primado da  legalidade para que o país possa reencontrar sua vocação.

*Paulo Márcio Ramos Cruz* é Delegado de Polícia Civil, especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal.

Modificado em 23/05/2017 08:25

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