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Intervenção federal no Rio de Janeiro: oportunismo ou necessidade?

Por Paulo Márcio

Dirigir uma secretaria de Segurança Pública em qualquer estado da federação, nas atuais circunstâncias, é o mesmo que ver-se obrigado a trocar um pneu com o carro em movimento. Mas, se no caso do veículo são as leis da física ou a inexistência de uma tecnologia superior a tornar impossível a realização da tarefa, no campo da administração pública um amontoado de problemas, tanto estruturais quanto conjunturais, concorre para a inviabilização da missão de proteger a população contra a sanha dos criminosos, daí a escalada da violência e da criminalidade em todos os quadrantes do país, causando perplexidade e desesperança nos cidadãos indefesos e nos governos, que seguem acuados e impotentes.

O Rio de Janeiro é a síntese do nosso modo peculiar de administrar a coisa pública, da nossa visão romântica e glamourizada sobre a forma de ocupação dos espaços urbanos e da lida com as necessidades do cotidiano. Não sem razão, este mesmo Rio de Janeiro é o paroxismo de toda degradação e barbárie resultantes de décadas e décadas de desmando, ausência, populismo, corrupção e condescendência com tudo que rima com indignidade e degenerescência. Uma ferida aberta, purulenta, que, se não tratada urgentemente com os recursos disponíveis, levará a óbito o paciente depois de devorar-lhe o organismo debilitado.

Em suma, alguma coisa precisava ser feita em relação ao Rio para além das intermináveis discussões sociológicas, filosóficas e jurídicas acerca do caos que vitima, direta ou indiretamente, milhões de cidadãos. O remédio ora ministrado pelo governo central pode não ser – e acredito mesmo que não o seja – o mais apropriado ao paciente, seja pela discutível eficácia do princípio ativo, seja pelos imprevistos e indesejados efeitos colaterais. Mas, nesse caso, a prolongada omissão de socorro seria ainda mais grave e, por conseguinte, mais danosa, pois configuraria abjeta desumanidade, além de não se coadunar com o princípio federativo que cimenta a relação entre os entes nacionais.

Beira o tolo conspiracionismo – para não dizer a insanidade – resumir a intervenção federal no Rio de Janeiro a uma agenda eleitoral, ou a uma cortina de fumaça para escamotear o suposto fracasso da reforma previdenciária. Aliás, a declaração do governo federal de que suspenderá os efeitos do decreto de intervenção apenas para votar a reforma previdenciária desmantelou completamente essa informação apressada e inconsistente, mas outras estultices vão surgindo à medida em que os especialistas vão se sucedendo nas bancadas e poltronas dos telejornais.

Não obstante, a intervenção federal só alcançará relativo sucesso se as tropas federais e estaduais conseguirem, conjuntamente, ao longo do período de execução da medida, retomar o território atualmente sob o domínio do tráfico, tirando de circulação os líderes e integrantes das organizações criminosas, apreendendo armamentos, veículos e munições e impedindo a circulação e o comércio das drogas, enfim, quebrando toda a logística do narcotráfico até o completo sufocamento econômico das facções. Tão ou mais importante do que a atuação das forças armadas e das polícias nessa tarefa, será o comportamento dos magistrados e promotores de justiça diante das ocorrências que lhes forem submetidas.

Uma intervenção dessa magnitude certamente ocasionará a morte de um número considerável de criminosos, a menos que eles se homiziem, fujam, entreguem-se ou convertam-se em obreiros de algumas dessas igrejas neopentecostais que pululam nos ambientes onde dominam a pobreza, a dor e o sofrimento. Há que se resistir, sobretudo, aos discursos que tentarão, a qualquer custo, jogar a opinião pública contra os militares, por cegueira ideológica ou indisfarçável mau-caratismo.

Estamos fartos de saber que somos governados por corruptos em todas as esferas e níveis de governo; temos plena ciência de que as Forças Armadas são treinadas para combater o inimigo e não para realizar tarefas de policiamento preventivo-ostensivo no morro e no asfalto; não alimentamos a esperança infantil de que o Rio de Janeiro experimentará, após a intervenção, índices de criminalidade tão baixos quanto o dos países escandinavos. Nosso anseio, ou melhor, nossa maior aspiração como brasileiros, é, a partir do Rio de Janeiro, resgatarmos a cidadania e fazer com que o Estado garanta a todos, efetivamente e sem distinção, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos estabelecidos pela Constituição batizada de Cidadã.

Paulo Márcio Ramos Cruz é delegado de Polícia Civil e colunista do Universo.

Modificado em 20/02/2018 10:27

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