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Força bruta está sendo utilizada para esmagar liberdades civis, alerta Paulo Márcio

“Vozes que poderiam se insurgir contra arroubos ditatoriais preferiram silenciar”, lamenta

Pré-candidato a prefeito de Aracaju pela Democracia Cristã, o delegado de Polícia Civil Paulo Márcio afirma, em um artigo que escreveu, nesta sexta-feira, da 19, com o título “O STF e as fake news: do Estado Democrático de Direito ao Estado hobbesiano”, que há uma força bruta sendo utilizada escancaradamente para esmagar as liberdades civis, e as vozes que poderiam se insurgir contra o que ele define como “arroubos ditatoriais” preferiram silenciar. Segundo o delegado, um silêncio cúmplice, abjeto, igualmente criminoso.

“Definitivamente, estamos pouco a pouco abdicando de nossa liberdade e concentrando-a nas mãos de um Leviatã travestido de corte judicial. Mas essa covarde e conveniente troca de um Estado Democrático de Direito por um Estado hobbesiano vai nos custar um preço maior do que a própria liberdade. E sem democracia, sem Constituição e sem norma hipotética fundamental para nos socorrer, só nos restará a intervenção divina, se acaso formos merecedores”, escreve Paulo Márcio. Leia o texto na íntegra:

 

O STF e as fake news: do Estado Democrático de Direito ao Estado hobbesiano

Por Paulo Márcio

Ao formular sua consagrada Teoria Pura do Direito, o jurista austríaco Hans Kelsen concebeu o ordenamento jurídico como um sistema hierárquico de normas, em que a validade de cada norma é aferida em função de sua conformidade com a norma hierarquicamente superior.
No topo dessa pirâmide normativa, como fundamento último de toda a ordem jurídica positiva, está a Constituição.

Ao chegar nesse ponto, Hans Kelsen deparou-se com uma questão de difícil solução, segundo o modelo por ele mesmo desenvolvido na esteira do positivismo então dominante. Como norma superior de um ordenamento escalonado ou piramidal, onde a Constituição iria encontrar o seu próprio fundamento de validade?

A saída foi lançar mão de uma criativa distinção entre constituição em sentido lógico-jurídico e constituição em sentido jurídico-positivo. Assim “em sentido lógico-jurídico, [a constituição] consiste em uma ‘norma hipotética fundamental’. Fundamental, por ser o fundamento de validade da constituição em sentido jurídico-positivo; hipotética, por só existir em tese, como norma metajurídica pressuposta (e não posta)” (Marcelo Novelino).

Tem-se, assim, que a norma máxima (constituição em sentido lógico-jurídico), a que o jurista deu o nome de “norma hipotética fundamental”, consiste no fundamento de validade da constituição em sentido jurídico-positivo – no caso do nosso ordenamento, a Constituição Federal de 1988.

O que muitos autoproclamados juristas ignoram é que a pureza pretendida por Hans Kelsen limitava-se ao objeto de estudo da Ciência do Direito, que ele pretendia ver expurgado de todo conteúdo não jurídico. Mas a aplicação do direito em si, como fenômeno social, não deixaria de ser, na visão kelseniana, um ato discricionário, fortemente influenciado pelas concepções filosóficas, morais, ideológicas, dentre outras, variáveis consoante as idiossincrasias de cada intérprete.

De maneira que um juiz progressista pode considerar inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/06 (Lei de Drogas), que institui o crime de posse de droga para consumo pessoal, ao passo que um juiz de linha mais conservadora pode não enxergar qualquer ofensa à Constituição Federal na norma que incrimina a posse de pequena quantidade de substância ilícita para uso recreativo.

O fato de dois ou mais juízes interpretarem a mesma norma de maneira diferente não gera insegurança nem põe em risco o ordenamento jurídico. Mais cedo ou mais tarde, as instâncias judiciais superiores irão pacificar o entendimento por meio de julgados e súmulas consubstanciando as teses vencedoras.

Acontece que nessa jornada civilizatória através do Direito não há outra bússola a nos guiar senão a própria Constituição Federal. Ela é o fanal do hermeneuta jurídico – simultaneamente, linha de partida e de chegada no longo e por vezes sinuoso caminho em busca da justiça.

E por estarmos totalmente imersos no sistema jurídico-positivo, nosso olhos não conseguem divisar nada além da Constituição. Talvez um dia, com um pouco de fé, possamos vislumbrar essa norma metajurídica pressuposta, essa força superior que habita uma dimensão lógico-jurídica revelada no Evangelho de Kelsen, onde a nossa Constituição supostamente deveria encontrar o seu fundamento de validade.

Por ora, encontramo-nos todos no gólgota, assistindo ao assassínio da lex mater. E o que podemos fazer além de lamentar a crueldade daqueles que, do sinédrio, espalham terror e medo, com suas vestes de morte e cabeças grávidas de autoritarismo?

Tento ressignificar a lição de Tobias Barreto, segundo a qual “a força que não vence a força não se faz direito; o direito é a força, que matou a própria força”. Mas como apelar ao ensinamento do gênio sem soar autoritário e partidário de imprevisíveis intervenções, ou, o que é pior, sem atiçar a ira dos novos fariseus, que usam a Constituição para matar a própria Constituição? Em tempo: Tobias era de tal forma contrário ao uso da força bruta, que vaticinava: “de todos os modos possíveis de coexistência humana, o direito é o melhor modo.”

O problema é que a força bruta está sendo utilizada escancaradamente para esmagar as nossas liberdades civis, e as vozes que poderiam se insurgir contra esses arroubos ditatoriais preferiram silenciar. Um silêncio cúmplice, abjeto, igualmente criminoso.

Definitivamente, estamos pouco a pouco abdicando de nossa liberdade e concentrando-a nas mãos de um Leviatã travestido de corte judicial. Mas essa covarde e conveniente troca de um estado democrático de direito por um Estado hobbesiano vai nos custar um preço maior do que a própria liberdade. E sem democracia, sem Constituição e sem norma hipotética fundamental para nos socorrer, só nos restará a intervenção divina, se acaso formos merecedores.

Paulo Márcio Ramos Cruz é delegado de Polícia Civil e secretário-geral da Democracia Cristã de Sergipe

Modificado em 19/06/2020 16:50

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