Por Gentil Melo
Tenho acompanhado atentamente os noticiários dos telejornais acerca do Coronavírus, que teve sua origem na cidade de Wuhan, na China, e se propagou por todo o Globo, registrando, nesse momento, os maiores níveis de contaminação e óbitos na Itália, Espanha e EUA, porém a maioria dos países já registrou infecções e óbitos, inclusive o Brasil, cujos números crescem exponencialmente.
A pandemia tem o reconhecimento e os esforços dos Estados Nacionais que, através de suas estruturas (política, saúde, segurança, transporte etc), iniciaram uma verdadeira operação de guerra, mobilizando profissionais, recursos financeiros, recursos materiais, logística, etc, adotando medidas de prevenção para evitar ao máximo a disseminação, e, consequentemente, a contaminação de milhares de pessoas pelos quatro cantos do mundo, tendo como preocupação o colapso do sistema de saúde – e por conseguinte o colapso dos demais.
Cenas de filmes como “Contágio e Pandemia” é o que passa em nossas mentes, uma realidade fictícia que passa a fazer parte do cotidiano de nossas vidas são ruas desertas, escolas, lojas, teatros, cinemas, shoppings, estádios de futebol fechados, praticamente tudo, permanecendo abertos somente os serviços que são considerados essenciais.
Enquanto isso os hospitais abarrotados de infectados que demandam por serviços dos profissionais de saúde e por boas estruturas dos hospitais. Esse cenário nos levou a adotar as medidas preventivas conforme orientações dos Órgãos de Saúde, entre as medidas a que tem oferecido maior resistência é o isolamento social.
Primeiro que gerações e gerações nunca passaram por essa experiência que traduz medo, insegurança, tédio etc. Segundo abrir mão da vida em coletividade presume, no primeiro momento, a perda da liberdade, um bem tão precioso e caro. E terceiro afastar-se de sua atividade laboral, local onde passamos a maior parte do tempo e a que nos proporciona renda para a satisfação de nossas necessidades.
O que seria o isolamento social? Alguns sociólogos definem como um corte total ou parcial dos contatos e da comunicação com os outros e pode envolver um indivíduo, um grupo ou uma sociedade inteira. No presente caso, trata-se da contenção da disseminação do coronavírus, mas existem outras formas de isolamento social que são objetos de estudos da Sociologia, por exemplo os que se manifestam na dimensão do social e do individual, no social podemos citar as diferenças culturais (costumes, hábitos de vida, diferenças de línguas), e os relacionados a preconceitos (raça, religião, sexo, etc), de ordem individual podemos citar o isolamento por timidez, por apresentar deficiência física ou até mesmo por ser pobre.
A título de ilustração, cito dois casos emblemáticos que estão presentes no imaginário social: o genocídio dos judeus, no período de 1933 a 1945, na Alemanha Nazista, onde cerca de 6 milhões de judeus foram exterminados e o Apartheid ocorrido na África do Sul, cujo governo na época impôs uma legislação que isolava os negros do convívio social com os brancos.
Será se existem outras formas de isolamento social? Claro que sim, estão inseridos nas sociedades contemporâneas, podemos destacar “O fenômeno da desigualdade social” que atinge milhões de pessoas no mundo que sobrevivem na condição de indigentes despossuídos de bens materiais e de seus direitos elementares, basta ver a realidade desse fenômeno no Brasil e nos países considerados como de terceiro mundo.
E por que estou citando outros exemplos de isolamentos no cenário atual? Porque é necessário compreendermos que os fenômenos citados não são naturais, embora algumas narrativas intencionalmente nos levem a acreditar que são, mas a verdade é que são provenientes do modelo de organização social e política que estamos submetidos. E que relação podemos estabelecer desses fenômenos sociais com o “Coronavirus”?
Primeiro informar que são fenômenos que exigem uma intervenção do Estado, ou para dizimá-los ou para minimizar os efeitos na sociedade, ressalto que alguns fenômenos ficam longe do olhar da sociedade, segundo que o Estado para atuar com esse propósito necessita de apoios das instituições constituídas e de uma ideologia que a sociedade se convença,legitime e aceite as suas decisões, foi assim no passado e não será diferente no presente, mesmo em conjunturas e cenários político, econômico e social diferentes.
Exponho algumas considerações acerca do conhecimento das Ciências Humanas a partir das considerações do Sociólogo e Filósofo Polonês, Zigmunt Bauman, falecido em 2017, pensador social contemporâneo que estudou a pós-modernidade tendo como recorte histórico o período pós 2ª guerra mundial, precisamente a partir de 1960. O pensador tinha como elementos centrais de sua obra O individualismo, a efemeridade das relações sociais e as revoluções que as mídias digitais trouxeram para a sociedade moderna.“Líquido” é a palavra-chave das obras do pensador, dizia ele que a água possui a capacidade de preencher os espaços sem a menor dificuldade e resistência, ele transfere essa propriedade para as relações humanas onde tudo é efêmero, fluido.
Bauman tinha uma visão negativa do capitalismo que tem como premissa o individualismo, o consumo e a competição o que tem conduzido os Estados Nacionais a adotarem medidas que provocam mudanças profunda nas esferas da vida social enfraquecendo a estabilidade do Estado, da família, do emprego e de outras instituições, tornando uma sociedade com mais liberdade e menos satisfação dos cidadãos, passando o consumo a ser o elemento central da formação da identidade de um povo, o ter seria mais importante do que o ser.
Numa sociedade globalizada são evidentes e testemunhamos diuturnamente que na esfera política os laços de solidariedade se dão em redes e não nas comunidades, o poder se separa da política a medida que restringe e limita a participação efetiva dos cidadãos, comprometendo a cidadania, o Estado perde as suas funções para terceiros a medida que desregulamenta e flexibiliza legislações protetoras da classe trabalhadora e restringe seu papel social, constata-se a falta de credibilidade nos agentes políticos o que leva a crise da democracia.
No aspecto econômico o consumo a crédito é massificado contribuindo para o não planejamento das pessoas, o mercado cria um público seletivo deixando as margens grande parcela da população aprofundando ainda mais as desigualdades sociais. Numa sociedade globalizada e de risco, apostar na ciência e na técnica é a saída, portanto a lógica premente é inverter a ordem tornando o ser mais importante do que o ter e considerar as Ciências Humanas tão importante quanto as Ciências Exatas e Biológicas, pois são dois campos do conhecimento poderosos e complementares para o bem comum da humanidade.
Gentil de Melo é cientista político